Leia mais sobre Fundanga e Pólvora em nosso artigo: O USO DA PÓLVORA NA UMBANDA
Por Pai Felipe Campos
Esses dias, saudoso me recordava dos rituais que aconteciam no primeiro Templo do qual eu fiz parte, ainda um jovem começando a aprender os mistérios da magia e da Umbanda, me pegava fascinado com tudo que acontecia.
Tive muita sorte de ter iniciado minha trajetória no que eu pessoalmente chamo de “Terreiro a moda antiga”, digo isso, pois, na sequencia da jornada acabei deixando de ver muitas coisas que cresci vendo, os rituais vão se modernizando e muitas vezes dando vazão a praticidade, o que de certo modo me preocupa em algumas ocasiões, pois, o mais pratico nem sempre significa o mais eficaz.
Um destes rituais que adorava assistir e hoje em dia encontramos com uma maior dificuldade, são os rituais que levavam pólvora, claro, entendo que devido a proibição da venda da pólvora em sua composição original atrapalha e muito os rituais umbandistas, hoje apenas temos a disposição o composto que chamamos de “fundanga”, mas produz um efeito muito similar. Afinal de contas a quem não sabe, “fundanga” é um termo angolano na língua quicongo significa nada mais nada menos do que pólvora, e sabemos que entre as sínteses e sincretismos que a Umbanda possui das culturas africanas, o ritual herdou muito do povo Banto, Congo e Angola.
Me recordo que minha Madrinha fazia o que ela chamava de circulo de fogo ou caminho de fogo, esse ritual servia como uma purificação, descarga e descarrego completos, poucos seres ousavam continuar próximo a pessoa depois desse caminho, e claro, eu no auge da minha curiosidade queria ser o primeiro a ajudar nesse ritual.
O ritual consistia basicamente em fazer um caminho, geralmente circular com álcool, tínhamos uma valeta no chão numa localidade no Templo próprio pra isso, formava ao centro um desenho de uma mandala, e o circulo a volta era em valeta para o álcool ficar, então era ateado fogo no álcool, gerando aquele circulo de fogo em volta da mandala. A pessoa que estava sendo purificada caminhava com o fogo passando em meio de suas pernas, lembro de forma muito poética como tudo ocorria, pois, os trabalhos eram sempre a noite a céu aberto na luz do luar, de fundo se ouviam os cânticos das curimbeiras entoando pontos de descarga, de chamada de força e de combate, enquanto minha Madrinha ou o guia chefe que dirigia o trabalho parecia bradar para as forças das trevas que acompanhavam a pessoa, e na sequencia do caminho era jogado os cartuchos de pólvora onde parecia ser o ápice do descarrego.
Quem já fez um cartucho de pólvora ou já viu algum ritual parecido sabe que quando ele estoura produz uma breve e rápida luminosidade, com um leve som de queimar e a fumaça se desloca ao ar, porém, energeticamente, o que será que se passa?
Existem duas formas de fazer este cartucho, uma é com a pólvora negra, que é bem mais difícil de achar hoje em dia, na sua composição vem dosagens de enxofre, caso não encontre essa pólvora apelamos para a boa e velha fundanga, que na sua composição não possui enxofre, porém, o pó de enxofre é facilmente encontrado, ou seja, caso faça o descarrego com a fundanga pode ser colocado uma pequena dose de pó de enxofre na composição.
Faço um alerta a todos, pois, tais trabalhos devem ser feitos a mais céu aberto o possível, pois, a fumaça da queima do enxofre em grandes quantidades é toxica ao ser humano.
Enfim, o intuito deste texto não é ensinar fazer este descarrego uma vez que quem deve fazer isso é o dirigente espiritual dos terreiros, e este com certeza já teve o treinamento e o preparo para executar devidos rituais, aqui vou abordar o campo energético do processo.
O fogo em seu campo energético assim como no físico, possui a capacidade de depurar, queimar, esgotar, e essa função é utilizada na queima em diversos pontos, primeiro com o fogo que está presente nos rituais queimando todas as energias negativas, miasmas, larvas astrais e qualquer ser negativado também, na sequencia a explosão da pólvora produz um grande brilho e luz no momento, luz essa que energeticamente fere e incomoda seres que estão acostumados com a escuridão, pois, este clarão se reverbera no campo espiritual com a potencialidade do fogo.
Quando observamos o estouro, podemos perceber a velocidade com que o ar se desloca, produzindo muita fumaça, esse deslocamento já envolve mais um elemento, o ar, que é essencial para dar vida ao fogo e é o meio de transporte mais rápido para o elemento fogo, pois, no plano espiritual aquela fumaça que vemos corroe o próprio campo atmosférico se assim posso dizer, dos espíritos desequilibrados que ali estão, e começam a queima-los internamente quando inalam essa fumaça.
Por ultimo mas não menos importante vem a queima do enxofre, que já entra com o elemento terra, uma vez que sua origem é da crosta terrestre, também nos ajuda a entender seu poder de “destruição” sabermos que é abundantemente encontrado nas regiões vulcânicas.
Ao entrar em combustão pelo fogo o enxofre muda seu estado e vira um pó muito fino, uma fumaça na verdade, e essa fumaça atua de forma diferente da fumaça da pólvora. Sabemos que os antigos já respeitavam as divindades vulcânicas e sempre utilizaram o enxofre como uma espécie de protetor, pois, o seu poder no campo espiritual é terrível.
A fumaça do enxofre tem uma reação muito parecida com o ácido no campo espiritual e quando envolve um corpo espiritual começa a propriamente dissolver seu períspirito, e se esse espirito ainda não tiver um desprendimento de espirito e carne, pode começar a sentir sintomas de embolias pulmonares como se tivesse aspirando o próprio acido, vale lembra que se um espirito está atuando como obsessor a chance dele não ter um claro desprendimento de espirito e matéria é grande, logo a consequência pode ser das piores para ele.
Por isso, este ritual tão antigo mas que vem perdendo espaço para os novos ritos de Umbanda é tão funcional, eficaz e quase insubstituível na sua função, espero que muitas pessoas tenham a oportunidade de ver verdadeiros rituais do fogo acontecerem em seus terreiros como eu já tive a oportunidade e hoje tento passar isso a meus filhos.
Pai Felipe Campos
Sacerdote do Templo Escola de Umbanda Cacique Pena Azul
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