Douglas RainhoNo dia 15 de Novembro de 2020 além das eleições municipais e também da comemoração da Proclamação da República, muitos comentavam nas redes sociais sobre o Dia Nacional da Umbanda, exaltando Zélio Fernandino de Morais e o Caboclo das Sete Encruzilhadas como seus fundadores.
Isso é de uma estranheza ímpar, apesar de ser esperado em um país onde poucos realmente procuram se aprofundar nos temas que transitam em suas vidas. Onde você escrever corretamente é sinônimo de elitização e onde você tentar dar educação a quem deseja (e todos precisam) é visto com maus olhos pelos poderes vigentes.
Zélio, como já falamos diversas vezes neste blog e no nosso canal no YouTube, não foi o FUNDADOR da Umbanda como muitos pensam.
Primeiramente a gente deve parar de pensar rasamente e ir procurar outras coisas além de NOMES. Nomes são dados por nós para designar algo para o nosso entendimento, então é bem possível que antes mesmo da assunção de um nome tivéssemos a prática a que aquele nome se refere, afinal criar um nome sem um objetivo não faz muito sentido.
O que caracteriza a Umbanda não é seu nome mas seu corpo de práticas e rituais. Uma religião aberta a todos, onde a mediunidade tem papel fundamental e onde aprendemos não só as práticas religiosas mas as questões de magia popular e magia folclórica também.
Uma religião que preza pela Caridade, Simplicidade e Humildade e que dá voz a todos os espíritos de ancestrais que aqui passaram derramando o sangue nesta terra, sejam eles indígenas, africanos ou europeus. Se esteve no Brasil e aqui morreu, tem lugar dentro da Umbanda.
Um culto onde práticas com velas, com ervas, com fumo e perfumes é muito comum. Onde a música tem uma grande importância e a celebração de um povo também, principalmente no compartilhamento da comunidade dos pratos típicos e rituais dos Orixás, Voduns ou Inquices.
Se há a manifestação de espíritos de ancestrais (Caboclos, Pretos-Velhos, etc) e essas pontuações acima, então é Umbanda. Mas eles não chamavam disso antes e pouco importava o nome.
Ao estudar sobre cultura indígena, principalmente a Tupi, percebi que pouco importava o nome que eles davam a religião deles, que isso só tomou forma mesmo com a invasão da terra que hoje é o Brasil pelo povo Europeu. Então, eles praticam algo que chamamos hoje de pajelança, mas é bem possível que nunca deram esse nome para sua prática. Por que a Umbanda seria diferente?
Lembrando que Zélio, na manifestação do Caboclo das 7 Encruzilhadas, disse que iria fundar uma nova religião e só posteriormente denominou-a de Alabanda, que segundo o que nos chegou significaria “Ao lado de Deus”, onde Ala é o nome de Deus em Árabe e Banda seria algo como “Ao Lado”.
O nome Umbanda só foi assumido em 1909, como dizem, por soar bem.
Ora! Então o nascimento da Umbanda não é 1909? Não, não é e nunca foi!
A Umbanda é ancestral e já temos essa definição vinda da África onde o termo Mbanda era muitas vezes traduzido como Umbanda no encontro da língua portuguesa com o Kimbundo. Mbanda seria a “arte da cura”.
Desta forma, podemos ver que os traços ancestrais da religião realmente vem da África, mas não a definem, pois aqui ela tomou uma forma própria, de fato uma UMBANDA, aceitando o aportuguesamento da palavra Banto o que já demonstra a miscigenação não só nas pessoas, mas na cultura e na religião.
A Umbanda do Brasil é distinta da de África, mas bebe muito de sua origem acrescido de elementos ritualísticos indígenas (temos muito mais do que vocês pensam, a começar pelo fumo) e também de práticas populares do catolicismo e do espiritismo francês.
Claramente, como as práticas que hoje chamamos de Umbanda já existiam, a inclusão do Espiritismo foi posterior. O termo espiritismo foi popularizado com o lançamento do Livro dos Espíritos em 1857. Mas com certeza as práticas rituais já aconteciam pelo menos desde 1700.
A inclusão do espiritismo foi tardia e está errada? Não de forma alguma, até porque o espiritismo se propõe a explica algo que acontecia e sempre aconteceu desde a época pré-histórica que é a comunicação de encarnados com o plano espiritual, porém isso não tinha um nome, Kardec apenas consolidou, compilou e formatou uma identidade ou doutrina para o entendimento do europeu do século XIX.
O mesmo ocorreu com Zélio, que pegou esse entendimento do que seria a Umbanda e consolidou num corpo doutrinário, sendo assim ele não pode ser o CRIADOR ou FUNDADOR da Umbanda, pois suas práticas já eram populares por meio de outros nomes, da mesma forma que ele mesmo e nem seus guias deram o nome de Umbanda e só alteraram posteriormente para esse título.
Além disso, o nome já existia e já era consolidado desde épocas remotas advindo da África, mesmo que em outro contexto.
Então a religião de Umbanda brasileira é muito mais antiga do que tentam fazer parecer. A data é importante? Sim, é importante pois é um marco histórico e oficial, mas é um marco da aceitação da sociedade branca para práticas das pessoas pretas e indígenas ou do povo miscigenado.
Entende como a questão é muito mais profunda e que simplesmente dizer: “Parabéns Umbanda, 112 anos” é extremamente preconceituoso, racista e até imoral?!
Quando uma religião é dada como acertada ou oficial? A partir do entendimento do branco ou da dominância de uma sociedade?
O Cristianismo não é visto como uma prática desde a época de Cristo, sendo que o mesmo nunca deu esse nome para sua prática religiosa? O cristianismo só não ganhou esse corpo de fato após a aceitação do Império Romano? Mas já existia o cristianismo e as práticas cristãs anteriormente, certo? Sim…
Com a Umbanda é o mesmo! Então não se importe com o nome, mas com a forma, com a ritualística.
Em Codó muitos dizem praticar Umbanda, na Paraíba e em Pernambuco muitos Juremeiros dizem praticar Umbanda. Apesar de serem diferentes da Umbanda sudestina, ela ainda é Umbanda dentro do entendimento dos pilares básicos.
Umbanda é mais que um nome… Umbanda é a definição de uma essência mestiça, cabocla, de origem popular e essencialmente integrativa.
Vamos raciocinar e só depois vamos me odiar? (talvez isso nem ocorra)
