Ainda falando sobre a Sétima Linha de Umbanda, a linha de Santos e Almas, encontramos aquela lacuna já comentada em outros artigos (Exu de Umbanda, Quimbanda ou Kimbanda? e A Classificação dos Exus na Quimbanda da Umbanda.) que seria a regência da Sétima Linha. Temos dentro da estrutura de Umbanda as linhas e as regências a seguir:
- Linha da Fé – Regência de Jesus Cristo
- Linha da Demanda – Regência de São Jorge
- Linha das Matas – Regência de São Sebastião
- Linha da Justiça – Regência de São Jerônimo
- Linha dos Ventos – Regência de Santa Bárbara
- Linha das Águas – Regência da Virgem Maria
- Linha de Santos e Almas – Regência: ?
Na visão clássica, não há regência na sétima linha. Devido a isso, alguns autores colocavam essa linha como sendo uma linha de pretos-velhos, colocando sua regência a cargo de São Cipriano, outros conduziam a este posto orixás como Omulu e Obaluayê e seus sincretismos como São Lázaro e São Roque.
Dentro do que eu estudo, do que eu pratico, consigo ver que não há uma regência unitária aqui, mas um colegiado de vários espíritos elevados conduzindo os múltiplos aspectos da Sétima Linha, que é uma linha muito eclética. Dentro desse conceito, os regentes acabam por ser: São Bento, São Lázaro e São Roque.
Ainda consigo ver o trabalho de São Cipriano, o Mago, dentro dessa linha devido a sua sinergia com os tipos de entidades que atuam na sétima linha ou a Quimbanda da Umbanda. Vamos conhecer a figura desses santos para compreender melhor o porque se enquadram nesta regência.
São Lázaro
Para começar a bagunça, não há apenas um Lázaro citado na Bíblia. Podemos encontrar em Lucas 16, 20-31 um mendigo com o nome de Lázaro e em João 11, 1-46 e João 12, 2-9, outro Lázaro que era irmão de Marta e Maria, e que era da região de Betânia, amigo de Jesus Cristo. Dentro do sincretismo, estamos acostumados a ver a figura do Lázaro alquebrado, cheio de feridas, caminhando na rua com um cachorro (imagem 1).
Contudo isso é uma representação quase que errônea, tem muito mais a ver com a história de Lázaro mendigo, que aparece em Lucas 16, 20-31:
Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele. E desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas. E aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e morreu também o rico e foi sepultado. E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro, no seu seio. E, clamando, disse: Abraão, meu pai, tem misericórdia de mim e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro, somente males; e, agora, este é consolado, e tu, atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá, passar para cá. E disse ele: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos. E disse ele: Não, Abraão, meu pai; mas, se algum dos mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Porém Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite.
Nesta passagem, Jesus alerta para a necessidade de ajudar ao pedinte, aos que estão em necessidade. Porém seria esse o mesmo Lázaro que chamam de Santo? Não seria ele apenas uma figura metafórica para a parábola do Cristo?
Existe também o outro Lázaro, esse sim amigo querido de Jesus, aquele que foi ressuscitado pelo mestre nazareno. Este sim é aquele que vem dos mortos, com a carne já em decomposição, depois de sucumbir a doenças e a morte. Dentro da visão espírita ele seria vítima de uma doença como catalepsia ou narcolepsia e que o mesmo fora enterrado vivo, sendo salvo por Jesus, curado por ele, pois já estava debilitado. Vemos uma representação dele na imagem 2.
As representações se confundem, porém por se tratar de uma figura rica, de uma importante família não dá para crer que a figura do mendicante tenha a ver com a representação dada na imagem 1. De toda forma, o motivo de escolher São Lázaro de Betânia para a regência é que ele simboliza aquele que foi ao mundo dos mortos e voltou. Pela sua condição, antecipadamente a sua hora certa, pois mesmo Jesus não teria o poder de trazer de volta alguém que tivesse cumprido sua missão, Lázaro pode ser interpretado como alguém que foi para o Limbo ou Umbral e retornou ao mundo dos vivos. Quase que aquele que reencarna em um mesmo corpo para trazer a boa nova de que a vida continua.
O São Lázaro medicante também é conhecido como São Lázaro Leproso e é associado ao orixá Omulu, pois uma das lendas de Omulu é que o mesmo tinha a pele coberta de chagas provocadas pela varíola. Apesar de serem doenças diferentes, a tradição popular colocou ambos como divindades da doença ou que vencem a doença.
São Bento
São Bento por outro lado é muito conhecido por um de seus talismãs, a medalha de São Bento, que supostamente tem o poder de afastar maus espíritos. Isso fica muito evidente quando falamos também dessa linha de Umbanda, pois aqui os trabalhos executados são justamente para afastar os maus espíritos que perturbam os encarnados.
Ainda, São Bento foi quem instituiu os monastérios, onde congregava vários indivíduos a oração, ao estudo das escrituras e a práticas de elevação espiritual. Anteriormente, os monges viviam espalhados, como ermitões. São Bento em seu livro Regula Monateriorum, cria as regras básicas da vida do monge e do monastério, prezando por: Oração, Silêncio, Trabalho, Recolhimento, Caridade Fraterna e Obediência.
Consigo perceber que a própria linha de Santos parece-me a um monastério onde espíritos do mundo (da vida mundana) procuram elevar-se ao Criador e devem praticar estas etapas.
Ainda era conhecido como um exímio exorcista, expulsava os demônios (maus espíritos) com tremenda facilidade pois sua fé era impiedosa. Em sua medalha podemos ver inscritas várias letras que são as iniciais da sua oração de exorcismo:
Crux Sacra Sit Mihi Lux
Non Draco Sit Mihi Dux
Vade Retro Satana
Nunquam Suade Mihi Vana
Sunt Mola Quae Libas
Ipse Venana Bibas
Em uma tradução livre seria algo do tipo:
“A Cruz sagrada seja a minha Luz. Não seja o dragão o meu guia. Retira-te satanás. Nunca me aconselhe coisas vãs. É do mal o que tu me oferece. Beba tu mesmo do teu veneno. Rogai por nós Bem Aventurado São Bento, para que sejamos dignos das promessas de Cristo.”
Justamente por essa capacidade de dominar espíritos inferiores, a regência de São Bento me parece bem adequada.
São Roque
São Roque como muitos santos católicos provinha de uma família rica e tinha um “sinal divino”, ou seja, havia algo que marcava-o como singular, no caso de São Roque era uma cruz vermelha no peito, uma marca de nascença. Nascido em Montpellier, na França, era considerado um milagre por si só, devido a sua mãe ter idade avançada a época e ter pedido a intercessão de Nossa Senhora na sua concepção.
Tendo ficado órfão cedo, herdou uma grande fortuna, porém devido as leis da época era impedido de dispor do seu dinheiro para os pobres, porém deixou tudo a cargo de um tio seu e partiu para Roma, sendo mendicante no caminho.
É dito que São Roque contraiu a Praga e não querendo ocupar um leito que deveria ser dedicado a quem mais tivesse necessidade foi até a floresta para esperar pela sua morte, porém, próximo a sua cabana viu nascer uma nascente de água límpida e bebendo desta, sentiu-se revigorado, passando a banhar-se com ela e sentindo o alívio nas suas feridas.
São Roque também é associado aos cachorros, dizem que em momento de grande temor ao se sentir ameaçado por um ataque de cachorro, devemos dizer rapidamente o nome de São Roque por três vezes, que assim o cachorro se afastaria. Isso vem da sua própria lenda, onde Roque encontra um cachorro e este começa a alimentá-lo, levando pão para o santo mendicante. Porém o cão tinha dono e o dono seguindo o mesmo encontrou Roque na floresta e o acolheu, ficou durante muito tempo curando os doentes na cidade.
É dito que São Roque só por estar próximo aos doentes os fazia melhorar. Que a doença temia São Roque e se afastava do mesmo, logo todos os doentes que estavam a sua volta se curavam como por milagre. Dizia que o seu método de cura era orar enquanto fazia o sinal da cruz no doente. Similar ao benzimento que conhecemos bem no Brasil.
São Roque morreu ao voltar a sua cidade natal, por não ser reconhecido fora trancafiado na prisão e então lá faleceu. Seu primeiro milagre como santo foi curar o carcereiro que tocou em seu corpo para acordá-lo, porém o mesmo já estava morto, e acabou curado de um problema de nascimento, o carcereiro era manco.
São Roque é o padroeiro dos inválidos, dos cirurgiões e do gado. Justamente por essa associação com a peste e com a cura é também relacionado a Obaluayê. A linha de Santos e Almas está cheia de espíritos que possuem a capacidade de curar doenças físicas, Roque como padroeiro desse domínio aparece regendo esses espíritos.
São Cipriano
Aqui também encontramos duas figuras diferentes que possuem o mesmo nome: O Bispo de Cartago, Cipriano e o feiticeiro Cipriano. Qual dos dois seria de fato a figura que trabalha conjuntamente com os Pretos-Velhos?
Se formos compreender as questões aqui envolvidas, devemos analisar primeiramente como era a estrutura de uma Linha de Almas onde São Cipriano era regente e as entidades que compunham as falanges eram Pretos-Velhos. Essa linha também é conhecida como Linha da Magia, porém, os Pretos-Velhos não são de origem africana? Cartago fica na África!
O Cipriano oriundo dessa região é considerado como um dos Padres Latinos que se converteram ao Catolicismo e que ajudou a organizar a Igreja Católica no continente africano. Existem diversos manuscritos com estudos teológicos, mas nada referente a magia nesses escritos. A maioria dos textos escritos por Cipriano, conhecido como Bispo de Cartago é na verdade documento de fé, atestando a sua fé no culto cristão. Cipriano fora perseguido pelo Imperador Décio, no ano de 258, sendo preso e sentenciado à morte. Foi considerado mártir e foi santificado.
Já o outro Cipriano é originário da Antioquia, também chamado de Mago Cipriano, Bruxo Cipriano e Cipriano, o feiticeiro, é supostamente o autor do famoso Livro de São Cipriano. Livro onde se encontram diversos feitiços, simpatias e rituais para inúmeras finalidades e atribuídos a cultura pagã ou satânica, porém o mesmo não fora escrito por Cipriano, o Feiticeiro. Essa é uma das muitas lendas que perpetuaram o seu nome. Há quem diga que se você começar a ler esse livro, deve lê-lo até o final, com perigo de perder a sanidade se não o finalizar.
Cipriano, era um poderoso feiticeiro e conhecedor das ciências ocultas e é considerado por muitos como o padroeiro da magia e das bruxas, o que faria muito sentido sendo ele um regente de uma linha também chamada de linha da magia. Além da feitiçaria, estudou diversas ciências ocultas, alquimia, astrologia, adivinhação e magias cerimoniais. Por nascer em uma família abastada teve grande oportunidade de viajar por muitos países, aprendendo as muitas formas de magias desses locais.
O feiticeiro era muito requisitado pelos seus sucessos mágicos, porém em certa vez conheceu uma jovem chamada Justina, devotada, jovem, rica e bela. Convertida ao cristianismo, também convertera seus pais a religião do Apóstolo Paulo. Dizia-se que fé como a da jovem nunca havia sido antes vista. Sendo prometida a um jovem rico de nome Aglaide, Justina se negava a casar-se, pois não o amava. Aglaide transtornado recorreu ao grande feiticeiro Cipriano, para que ela fosse sua (Amarração Amorosa), porém apesar de todos os esforços de Cipriano nenhum feitiço conseguia fazer efeito na jovem.
Isso fez com que Cipriano duvidasse de seus poderes e então influênciado por Eusébio, um amigo, resolveu converter-se ao cristianismo. Queimou então todos seus tratados mágicos e distribuiu sua fortuna entre os mais pobres. Diziam que Justina e Cipriano pregavam juntos a fé cristã na região de Antioquia. Condenado a morte por práticas cristãs por Diocleciano, fora decapitado juntamente com Justina e posteriormente foi santificado.
O livro de São Cipriano, famoso entre os ocultistas, não tem qualquer prova de ter sido escrito por São Cipriano, o feiticeiro, de fato. Diziam que uma das grandes professoras de São Cipriano fora a infame Bruxa de Évora. A Bruxa de Évora é uma personagem muito conhecida dos Umbandistas, pois atua dentro da linha das pombagiras, sendo uma exímia feiticeira.
Se for para pensar, faz mais sentido o São Cipriano, Feiticeiro ser o padroeiro da linha da Magia, porém não exatamente dos Pretos-Velhos. Para mim, como a sétima linha é extremamente mágica, envolta em feitiçaria e com muitos de seus membros tendo sido bruxos, pagãos, feiticeiros e ocultistas, São Cipriano estaria aqui também, como uma regência.
Conclusão
Então, com essa exposição imensa, espero que vocês tenham compreendido o porque de eu considerar um colegiado de santos como padroeiros e regentes dessa sétima linha. Por se tratar de uma linha bem eclética, também precisaríamos de forças bem ecléticas para dar uma direção a linha de Almas e Santos. Lembrando que na Umbanda, nada é perfeitinho, assim como na vida.