Dia de Gira, um dia especial para quem é umbandista. O rapaz prepara um banho de ervas caprichado, coloca a vela do anjo de guarda acima da cabeça com um copo de água, faz suas orações e arruma seu sapicuá¹, separa a sua roupa alvejada e suas guias, toma seu banho e pega suas coisas para sair de sua casa em direção ao terreiro. Porém, antes de entrar no carro, assegura-se que ninguém está o vendo e sai rapidamente, entra no carro – blindado por insulfilm preto – e dispara em direção ao terreiro do outro lado da cidade, ou até em outra cidade, local em que quase ninguém o conhece na vida regular.
Tem algo de estranho nessa história? Tem sim, o medo de alguém o ver vestido de branco para ir praticar a Umbanda em um terreiro.
Essa é uma realidade bem comum, mesmo com tantos movimentos prol tolerância religiosa e diversidade cultural, ainda hoje vivemos um caos dentro dos próprios terreiros, de umbandistas que não se reconhecem como tal ou não querem que outros saibam qual é a fé que professam. Como se ele mesmo, já colocasse um rótulo de intolerância ou inferioridade a essa prática religiosa. Piora quando não quer ver fotos suas expostas nas redes sociais, vive com medo de algum conhecido vê-lo como umbandista ou trajado como um e ainda mais, teme se o patrão o vê assim.
Quem está errado? O intolerante que não aceita ou quem é umbandista e não se aceita? Ambos estão, mas o peso maior é daquele que “vive” a religião e não a assume.
Já presenciei isso em diversos lugares, inclusive locais que frequentei ou frequento, onde sempre há uma pessoa que não quer que as demais saibam que ela é médium, que ela incorpora, que ela fala com trejeitos e afins. Fico pensando em quão mal isso faz para ela, pois se ela é assim, logo está vivendo uma mentira e pela reverberação energética, podemos dizer que está atraindo inverdades para sua vida também.
Aqui não estamos falando em sair vestido de branco e com guia no pescoço, todos os dias. Tampouco em participar dessas tais marchas para Exu, o que para mim é ridículo. Estamos falando da pessoa se assumir para si e não permitir que a opinião do outro afete seu julgamento e sua fé.
Será que essa pessoa que não se aceita, está mesmo preparada para o trabalho de Umbanda? Será que ela espalha a palavra dos Espíritos, com instruções de elevação, ou tem medo de dizer algo e ser identificado como um “macumbeiro”?
São essas coisas que nos fazem refletir do porquê vivemos um momento tão tenso entre os filhos-de-fé de Umbanda. Pois ou são radiciais demais ou são extremamente covardes (essa é a palavra correta, apesar de fortíssima).
Enquanto não houver união, não houver aceitação, não houver respeito, não poderemos pedir isso de outras religiões. Lembre-se disso da próxima vez que tentar esconder, quem você realmente é. Aceitação é tudo! E ela começa na auto-aceitação.
1 Sapicuá: Bolsa ou mala com elementos que se usa dentro das giras de Umbanda, tais como velas, pembas, fitas, incenso, etc.