Tenho pensando numa definição sobre tarot que seja melhor do que explicar que é um conjunto de 78 cartas. Já ouvi que tarot é um elemento mágico, que se abre um portal incrível para acessar as mensagens mais secretas e ocultas em torno de um consulente. Ou então que é preciso compreendê-lo racionalmente pois é uma ciência. Então vamos lá distinguir o que seria a perspectiva científica e religiosa do tarot.

Podemos entender por ciência um conhecimento adquirido por meio de estudo e prática, baseado em princípios e métodos científicos, previamente elaborados e empregando absolutamente da racionalidade e pragmatismo. Ou seja, a ciência é algo construído, tendo como base um conhecimento que foi obtido por meio de observação, pratica e muito estudo. Nesta dimensão não se emprega a intuição, mas a racionalidade, ou seja, me baseio apenas naquilo que observo, registro, teorizo, postulo conceitos e, portanto, este método pode ser empregado para outros aspectos.

Um exemplo prático que costumo dar é a maneira como Alan Kardec empregou um método de comunicação com os espíritos, e por meio disso desenvolveu toda uma ciência que conhecemos no Brasil como Espiritismo (Ciência dos Espíritos). A forma como Kardec conseguiu se comunicar com um espirito, num determinado local, foi empregado em centenas de outros permitindo um resultado eficiente. Isso caracteriza uma ciência, a observação constante, o aprimoramento da técnica, a verificação das mensagens e o produto final claro, objetivo (para não dizer racional).

A partir deste conceito de ciência observamos que o resultado obtido ao término do processo, é fruto de extrema racionalidade, e seria este um dos principais motivos pelo qual a Filosofia não é considerada ciência, visto que é pura abstração, reflexão e, portanto, não chega a um denominador comum. Alguns cientistas do campo das Ciências da Religião afirmam que nem mesmo a Teologia pode ser considerada uma ciência visto que seu objeto de estudo não é algo tangível.

Certamente há um lado científico no tarot se considerarmos que ele é um conjunto exato de 78 cartas, e não pode ser nem 77 e nem 79, com a estrutura de 22 arcanos maiores e 56 arcanos menores. Dentre as 22 cartas maiores existe um padrão e conjuntos de símbolos e significados previamente definidos. De igual forma as 56 cartas dos arcanos menores representam situações de vida que passamos, mas que, porém, podem ser ilustradas de acordo com seu codificador. Daí existirem tantos conjuntos de tarot diferentes, pois cada um, a sua maneira, vai apresentar e interpretar a sua forma.

Entre os mais estudiosos há afirmações contundentes sobre o tarot ser uma trama, absolutamente rica de significados e ligações profundas, portanto não poderiam ser menos e nem mais do que as 78 cartas. Outros estudiosos entendem que as culturas e a religião por certo, estão presentes nos tarot. Isso faz sentido e não por acaso temos personagens como Sacerdotisa (ou papisa) e até mesmo a própria figura do Papa.

E o que dizer de religião?

A definição mais conhecida sobre religião teria origem em duas palavras o religare e o relegere.

A primeira tese afirma que a palavra religião vem da palavra religare que seria o ligar novamente algo que foi separado. De acordo com o Cristianismo, a separação de Deus e o ser humano teria ocorrido no Jardim do Édem, fruto do pecado original cujos autores foram Adão e Eva. Desta forma toda a base do Cristianismo e seus desdobramentos está fundamentada neste princípio. Sendo assim a religião seria um caminho para o ser humano se aproximar do divino, ou seja, de Deus.

A segunda tese teria sido defendida por Cícero que afirma a religião ser um relegere, ou seja, um reler, revisitar ou retomar o que estava largado. Retomar a doutrina religiosa (texto sagrado ou oral) com base numa interpretação própria ou então uma retomada da dimensão espiritual. Segundo este princípio as experiências terrenas afastam o ser humano do sagrado e, portanto, é necessário algo que promova esta retomada, daí a necessidade da religião.

Na atualidade, a palavra religião que encontramos no dicionário é definida como um conjunto de princípios, crenças e práticas de doutrinas religiosas, baseadas em livros sagrados (ou pode ser um texto oral também), que unem seus seguidores numa mesma comunidade moral, chamada Igreja. Isso combina com o tarot? Onde fica a dimensão espiritual para a leitura das cartas? Mas onde mesmo entra o tarot neste aspecto? Seria o tarot uma maneira de nos aproximarmos do sagrado, divino? Como poderia um conjunto de 78 cartas, desenhadas por humanos a partir da sua perspectiva cultural (relegere) promover um religare?

Interessante observar como os dois desdobramentos da palavra religião (religare e relegere) nos permitem ter uma compreensão melhor de algumas práticas, muitas delas culturais, que promovem e acabam sendo incorporadas como religião quando são transplantadas para outras culturas. Por exemplo em alguns países, o habito de se consultar os ancestrais é algo comum, tem uma dimensão cultural e isso ocorre seja para escolher o nome de um recém-nascido ou para definir se um acordo deve ser firmado. Em tribos africanas ou mesmo entre os povos ciganos, tal costume era praticado de forma espiritual (não religiosa) porém tem se perdido aos poucos devido o processo de miscigenação.

A tradição na leitura das cartas pode ganhar conotação diferente dependendo da cultura em que se pratica. Na Europa, sabemos que por um tempo foi utilizado por místicos e esotéricos como forma de adivinhação, elemento mágico a ser composto em seus rituais de bruxaria. Etteilla, pseudônimo do cartomente Jean François Alliette, em 1789 afirmava ser o tarot a grande arte de abrir as cartas e predizer o futuro. Porém a extrema racionalidade, fruto do Iluminismo acabou com toda a dimensão espiritual na leitura das cartas de forma (principalmente na Europa) que se tornou uma experiência quase que matemática. Seria então o Tarot um jogo de cartas marcadas que se sair a carta da Morte significa morte física e o 10 de Copas casamento real?

Finalmente no Brasil, pais em que quase tudo ganha conotação religiosa, os jogos de carta ganham outro significado e a espiritualidade é requerida no exercício da cartomancia. No início do século XVI a atividade e pratica da adivinhação era condenada, principalmente pelo domínio católico no pais, e durante longos séculos foi perseguida, mas ainda assim exercida, de forma oculta e clandestina.

Atualmente com a propagação das práticas esotéricas e holisticas, principalmente após o movimento da Contracultura nos anos de 50 (século XX), o contato com o sagrado é desejado e ganha adeptos nomes famosos no país. Os jogos de búzios, cartas e tarot ganham a televisão e os místicos e esotéricos são procurados para solucionar problemas que a religião (instituição) não consegue.

Trocam-se então os adeptos de uma instituição e doutrina religiosa por seguidores e praticantes de uma espiritualidade própria, única, em que cada um é mentor de si próprio. Há alguns que buscam mentores do outro lado do mundo como na China, Índia, ou qualquer outro país do Oriente Médio que use trajes exóticos e fale de forma suave aquilo que já sabemos, de certa forma.

Mas e o tarot? Eu realmente tenho visto que a leitura do tarot requer muito mais do que a racionalidade e intuição, ela requer um conjunto disso juntamente com a prática. Há ciência no tarot? Certamente há. Existe uma religião do tarot? Ou seria o tarot uma religião?

Pela dimensão espiritual e a proposta de perspectiva que o tarot nos proporciona, podemos compreender que o tarot é um caminho, assim como o religare e o relegere. Mas no exercício das orientações que o tarot nos proporciona, uma parcela de ciência é necessária na busca pela compreensão, observação, experimentação.

Particularmente tenho sido levada a considerar que o Tarot é a humanização da ciência junto com a verdade de uma religiosidade sem os dogmas da religião. (Palavras de um amigo espiritual).

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