Tentamos compreender, ao longo dos textos desta série sobre a cultura e religião japonesa, alguns elementos que contribuíram para o surgimento das Novas Religiões naquele país e que foram, posteriormente, transplantadas para o Brasil por meio da imigração.

Inicialmente observamos o surgimento das novas religiões japonesas tendo como base a efervescência política e social, em decorrência da “Restauração Meiji” (1868-1912). Verificamos como o forte impacto cultural provocou mudanças no campo religioso, a ponto de propiciar o surgimento destas Novas Religiões. Contudo, para um melhor entendimento de um objeto de pesquisa como é o caso da religião, torna-se necessário, inicialmente, conhecer um pouco a história de seus fundadores e os elementos que nos permitem compreender sua estrutura. O que notamos é que a trajetória de um fundador e posteriormente seu estilo de dominação, influenciam diretamente na constituição da maneira como a instituição será formada tendo como foco mais a saúde/doença, prosperidade, pecado, santidade etc.

Podemos notar também que as religiões japonesas presentes no Brasil têm um forte aspecto organizacional e funcionam no estilo empresarial de caráter familiar, o que muito se distingue das instituições cristas protestantes históricas ou mesmo das mesquitas muçulmanas, as sinagogas judaicas ou templos budistas. Isso se deve, possivelmente, por terem como referência o estilo de sucessão imperial japonês no qual a sucessão é feita de maneira familiar e também pela separação entre o poder político e o religioso.

Se no Japão elas foram elaboradas a partir da mescla de religiões e crenças nativas, quando transplantadas para o Brasil tiveram que se adaptar a mistura que já havia aqui. De acordo com o antropólogo Mark Mullins “Culturas são feitas e refeitas a partir de velhos e novos elementos”, sendo assim, quando elas se misturam uma nova cultura e tradição é feita. Os antigos conceitos e costumes são reinterpretados e adaptados a essa nova visão de mundo e então uma forma diferente de organizar a sociedade surge.

 

Essa adaptação cultural foi o que aconteceu com a transplantação da Seicho-No-Ie do Japão para o Brasil que ao enfatizar que o pecado não existe e que a doença é apenas uma projeção da mente curou um agricultor de disenteria amebiana. Se considerarmos que sobre o conceito de pecado está fundamentado toda uma teologia cristã, podemos imaginar o choque cultural provocado pela SNI no Brasil. Ou então o que dizer sobre o conceito de doença e purificação defendido pela Igreja Messiânica, que juntamente com o Johrei e uma alimentação natural tratam os males do corpo e da alma sem medicamentos pois os consideram toxinas? Ambas são propostas bem diferentes de lidar com antigos conceitos e arraigados a nossa cultura, mas que encontraram milhares de adeptos aqui no Brasil.

Apesar do crescimento organizacional de muitas das religiões japonesas no Brasil, ainda há um processo de acomodação à cultura local, contudo, em alguns casos notamos que sua raiz doutrinária se mantém firme. Isso ocorre, pois, a preservação cultural está presente tanto no ritual das reuniões como nas orações e meditações que acontecem em japonês e português. Neste processo de tradução dos escritos sagrados (tanto em texto como oral), quando atravessam fronteiras e precisam ser aceitas pela nova cultura em quem estão sendo instaladas, a adaptação é uma consequência natural. Nos estudos de Stuart Hall sobre a identidade cultural nos permite refletir sobre o processo de tradução que ocorre na formação de identidades que atravessam fronteiras naturais.

“Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas.”

Quando falamos de mistura, sobreposição, adaptação, organização, classificação, separação estamos nos referindo ao conceito tão amplamente utilizado por religiões de origem étnica, que é o Sincretismo. Embora ele seja mais percebido em religiões afro-brasileiras ou que tenham alguma influência desta cultura, sincretismo não é apenas equivalência como no caso dos orixás e santos católicos. Segundo Sérgio Ferretti, sincretismo foi uma estratégia empregada no processo de aculturação em que incluía conflitos, acomodação da religião e assimilação por novos adeptos. No entanto, observamos que mesmo assim, devido à pouca profundidade na discussão deste tema, o apelo a tradição é requerido como forma de se justificar “mais verdadeira” ou “mais pura”.

A pesquisadora Patrícia Birman afirma que “sincretismo é uma dimensão que está presente na reflexão da sociedade brasileira e da importância de procurar a coerência lógica que está por baixo deste fenômeno”. Sendo assim, podemos compreender melhor porque tantos japoneses adotaram o Brasil como sua pátria, constituindo família aqui, firmando raízes, sem, contudo, perder a tradição nipônica. O sincretismo japonês e o Brasil pluricultural têm muito mais em comum do que vislumbra a nossa racionalidade.

Em se tratando de religiões japonesas, a necessidade de conhecimento histórico e cultural do pesquisador é maior, devido a valores orientais que em muito se distingue das ocidentais. Essas noções, se não forem compreendidas pelo pesquisador, podem prejudicar a sua avaliação e o seu olhar sobre o objeto de pesquisa. Contudo, a maior dificuldade, sem dúvida está no campo da língua, que em sua escrita nada se assemelha aos caracteres ocidentais, o que imaginamos ser o grande fator limitador para o pesquisador.

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