A tradição japonesa está muito ligada ao culto a natureza pois a considera uma criação divina, sendo assim sol, lua, mares, rios, mata etc tem um espírito divino guardião e neles há uma manifestação divina. A perspectiva animista está muito presente nas religiões japonesas que se consideram monoteístas e a prática de possessão de espíritos animais é uma realidade.
Dentro das ciências que estudam o fenômeno religioso há uma discussão sobre a terminologia correta, se deveria ser adotado a nomenclatura possessão, xamanismo ou incorporação. Contudo, não nos ateremos a esta abordagem neste estudo no momento, pois renderia um outro post e fugiria da nossa temática atual.
A possessão por espíritos, na tradição japonesa, é um fenômeno cultural e neste caso, uma pessoa pode ser possuída pelo espírito mau, espírito animal ou uma divindade como foi o caso das fundadoras Nao Deguchi e Miki Nakayama que apresentamos no estudo anterior. Muitas vezes, a possessão por espíritos em mulheres, frequentemente, está associada a acessos de loucura. No caso das fundadoras da Oomoto e da Tenrikyo, trata-se de uma possessão estilo “kamigakari”, ou seja, uma possessão divina. Esse fato também ocorrerá em outros fundadores de religiões japonesas como é o caso de Massaharu Taniguchi e Mokiti Okada.
A crença na possessão não é algo novo na cultura japonesa e já houveram casos de imperatrizes (Jingû, por exemplo) que passaram por essa experiência xamânica como forma de trabalhar seu carisma pessoal. Em se tratando de uma cultura essencialmente patriarcal, e para não dizer machista, a pratica do xamanismo torna-se um importante recurso para as mulheres como forma de obter reconhecimento, visto que sua palavra ganha conotação divina no momento da incorporação.
A comunicação com os espíritos é uma realidade muito praticada, visto que o imperador seria um descendente da deusa sol e viria de uma linhagem ininterrupta. Sendo assim, essa comunicação ocorria, muitas vezes, por meio de práticas meditativas budistas. Em alguns momentos, o imperador poderia requisitar a uma miko (médium ou xamã), que incorporaria uma divindade de uma outra linhagem que não a sua, para uma consulta sobre assuntos diversos. O historiador Kunio Yanagita registrou muitas histórias deste folclore japonês na obra Histórias das xamãs do Japão, publicada em 1930. Havia também o caso de xamãs errantes, que peregrinavam entre aldeias atendendo as pessoas por meio de outras técnicas (clarividência, cartomancia, rezas, transe, etc).
As práticas xamânicas, muito encontradas durante o período feudal, caíram em desuso na época da Restauração Meiji, principalmente devido a influência americana e cristã que chegou no país. Sendo assim essas se tornaram proibidas e muitas vezes foram consideradas ilegais, podendo ocorrer a prisão de seus praticantes. Quando alguns membros das novas religiões no Japão foram possuídos e introduziram práticas de transmissão energética ocasionando curas milagrosas ou exorcismos, passaram a ser caçados e presos de acordo com a Nova Lei sobre as Organizações Religiosas de 1945.
Sobre a incorporação especificamente, o filósofo japonês e fundador da Igreja Messiânica Mundial, Mokiti Okada tem alguns pronunciamentos publicados em suas obras doutrinárias. Neles Okada menciona que há três tipos de incorporação, como as acima mencionadas, e que se o ser humano soubesse distinguir, poderia usar de maneira proveitosa esse recurso.
“Se desenvolvêssemos a capacidade de discernir os tipos de incorporação e soubéssemos dispensar-lhes as devidas cautelas e orientações, a incorporação seria útil à sociedade humana. Mas deixo claro que, além desse discernimento ser quase impossível, se o conhecimento sobre o assunto for apenas superficial, as consequências poderão ser desastrosas.” (Ensinamento: Incorporação, Alicerce do Paraiso, Vol 2, pg. 90)
De acordo com o filósofo, seria possível inclusive incorporar o espírito de uma pessoa encarnada, principalmente no caso de haver uma relação entre pessoas próximas que teriam um elo espiritual. Ou então, pode ocorrer um tipo de incorporação de espíritos animais “kudaguitsune” que seriam raposas de pelo branco e macio (foto acima) que se prestam a fazer qualquer tipo de maldade ordenada pelos homens. Para mais informações sobre a perspectiva messiânica recomendo a leitura dos textos: Incorporação e Incorporação e encosto de espírito encarnado ambos publicados no livro Alicerce do Paraíso, vol 2.
Não há uma uniformidade entre as religiões sobre esse assunto, o que se observa é que frequentemente os adeptos destas novas religiões, principalmente no Brasil, acabam tendo uma múltipla pertença, geralmente associadas a religiões mais espiritualistas. No próximo texto veremos que tanto Massaharu Taniguchi quanto Mokiti Okada tiveram sua experiência xamânica que resultou na fundação de suas próprias filosofias religiosas.