Festa de Erê, sempre é uma alegria, suas giras são contagiantes e a criançada realmente sabe como nos cativar. Porém são espíritos iluminados! Incompreendidos pelos seus médiuns e que muitas vezes iludidos pelo lúdico dão vazão a absurdos. Zélio de Morais dizia que trabalhar com erê é tão complicado quanto trabalhar com Exu.

Nesse relato, fui visitar um terreiro nas imediações do Tatuapé, que mudou de endereço umas três ou quatro vezes, não sei exatamente o porquê. Porém, era acessível a mim, dando até para ir de transporte público de boa, o que me chamou a atenção. Geralmente vou aos terreiros por convite, mas nesse resolvi empreender uma investigação particular e fui sozinho. Costumo falar para não julgar os relatos desta coluna, mas nesse caso não deu! Acompanhe a história do erê de calça jeans!


O que havia a princípio me chamado a atenção nesse terreiro era sua proximidade ao local em que morava na região do Tatuapé. Poderia ir a pé até, apesar de ser uma caminhada de uns 25 minutos, porém era muito perto de casa e tinham muitas referências ao seu dirigente espiritual, visto que ele era um tutelado do “chefão da Umbanda”, uma figura proeminente no mundo macumbístico.

Tentei ir no primeiro endereço por diversas vezes, mas sempre acontecia algo que não conseguia ir. Não era algo de atrasar apenas em algumas horas, mas coisas como ficar preso em uma reunião interminável, ter uma dor de barriga ou coisas do tipo.

No dia que conseguir ir, percebi que o local estava fechado. Foi quando soube que haviam mudado de endereço, ainda dentro do bairro do Tatuapé, mas em um local mais longe. Não havia como ir a pé, possivelmente pegando ônibus, que vinham lotados devido ao horário. Então decidi que iria outro dia e acabou dando certo, em um dia de comemoração às crianças, uma gira de Erê.

Eu estava passando por momentos muito complicados na minha vida pessoa, entre divórcio e também problemas no trabalho e financeiro, já estava me aconselhando com os guias na minha casa, porém a oportunidade de falar com erês, me tocou o coração. Essa linha é uma das que mais gosto e das que mais devo, pois foram eles que me auxiliaram em um momento de obsessão espiritual.

Cheguei ao local cedo e sozinho e fui me sentando nas cadeiras, com a senha em mãos. Percebi que ninguém instruía onde deveríamos ficar, tanto é que sentei em um local “reservado” e fui convidado educadamente com um “Cara você não pode sentar aí”, para me mudar. Detalhe que o rapaz me mudou para a cadeira do lado, apenas. Pois bem, tirando essa pequena vergonha, percebi vários recados num mural sobre cursos de todos os tipos possíveis e todos eles com valores bem fixados, pagos mensalmente.

O estranho desse local era a disposição entre a assistência e os médiuns, vou tentar fazer um rascunho do local para ficar mais claro, mas digamos que LITERALMENTE havia uma PAREDE que nos impedia de ver os trabalhos acontecendo, apenas um passagem era aberta. Vou usar do meu “dom artístico” de primário para colocar um esquema de como era o local.

Esquema do Terreiro

Como podem perceber no local onde fica a assistência dava para ver apenas parte dos médiuns, não dava para enxergar o Congá e nem os atabaques. O horário de começar já havia passado, mas nada de começar os trabalhos, quando ouço uma moça dizendo para a outra:

– Ele ainda não chegou, não podemos começar.

Ele a quem se referia a médium era o dirigente da casa, que não havia chegado ainda. Passado mais dez minutos, isso já contava-se por volta de 25 minutos de atraso da hora marcada para iniciar a gira, chega uma figura esbaforida, correndo para dentro do terreiro, com aspecto suado e cansado. Vejo alguns médiuns abraçando e pedindo a benção, logo entendi que era o dirigente. Prontamente ele deu alguns berros, dizendo que tava errado e mandou a curimba começar a tocar, mas no mesmo momento mandou parar e foi até a assistência e disse algumas palavras:

– Seguinte, tão vendo essa foto (mostrando uma foto)? É de uma ****** que tá entrando nos terreiros dizendo que precisa de ajuda pra ficar falando ******. Já peguei ela de jeito e disse que vou meter o pontapé da próxima vez e que vou pra delegacia levar ela depois. Essa ****! – Virou as costas e voltou a mandar a curimba tocar.

Essa atitude me deixou atônito! Cara, nunca esperava isso, mas deveria ser realmente grave isso que essa moça tinha feito. Porém, fique na esperança das crianças diluírem um pouco o clima tenso. Já com as curimbas tocando ouvia-se um Salve Oxalá! Epa Babá! e Salve as Crianças! Ora iê Omi Ibejada! e pronto o dirigente do jeito que tava incorporou, pegou uma chupeta e levou a boca e começou a pular e correr por todo o terreiro e deu ordem para Oxum se manifestar. Todas as médiuns e os médiuns incorporaram Oxum naquela ritmada coreografia – o dirigente já havia desincorporado do Erê – e depois todos incorporaram as crianças que se levaram ao chão. O dirigente se dirigiu para uma moça que não havia incorporado e disse:

– Toca aí!

E foi embora!

Estranhei, mas como cada casa é uma casa resolvi deixar de lado tanto o aspecto suado, a calça jeans, a camisa de trabalho, a incorporação relâmpago e o abandono dos filhos, para esperar a consulta com a criançada. Quando fui chamado, percebi que tanto fazia a senha que havia pego, pois falaram para eu escolher o médium, fui na primeira criança a minha frente, incorporada em uma jovem moça. Ela me atendeu bem, me deu doces e perguntou o meu problema. Contei a ela o que me afligia naquele momento e ela me passou uma mironga (que já era conhecida minha, devido a estudos em outros campos).

– Tio, pega enxofre e faz um círculo e no meio põe uma vela azul de pai Ogum. Aí você faz isso na porta de dentro do teu trabalho tio. Atrás da porta e espera lá até acabar de queimar. – E desenhou com açúcar no chão como tinha que ser.

Agradeci a erê e fui embora, mas achei estranha a mironga dada por ela. Não pela mironga em si, mas por ser um erê a passar. Havia aprendido algo similar em círculos de magia.

Sei que passado o dia, no outro fui fazer a bendita mironga e bem, fui parar o hospital com uma intoxicação por fumaça de enxofre. Claro, a vela fez o enxofre pegar “fogo” e a fumaça que subiu entrou queimando em minhas narinas, pois era um local fechado. Aí eu aprendi algumas coisas, principalmente a desconfiar dos médiuns e das entidades e prezar pelo discernimento. Ainda bem que não houve nenhuma lesão mais grave, foi uma intoxicação leve, pois no mesmo momento percebi que tava fazendo mal e “apaguei” da pior forma o “incêndio do inferno”. A médica deu risada da minha cara, quando contei que fui intoxicado pela macumba. Vivendo e aprendendo!

Hoje esse terreiro mudou novamente de local e pelos relatos que ouço, continua igual, a mesma bagunça, uma gira de erê interminável!

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