Era uma manhã com neblina e bastante fria, por volta de 8ºC em Paris, eu e minha esposa estávamos animados para conhecer um templo de Umbanda – Templo Guaracy das Colinas – “Temple Guaracy des collines”. O Templo não fica dentro de Paris, mas sim na área do Subúrbio, que fica fora dos “muros” de Paris.

Pegamos um ônibus que nos levou ao bairro de Montreuil em torno de 40 minutos. Chegando no Templo, vimos algumas pessoas conversando fora do prédio onde fica a sede do templo e acabamos conhecendo alguns trabalhadores e consulentes.

Conheci a cambone Mione , com quem havia trocado alguns e-mails, perguntando se eu poderia participar das giras e fazer algumas perguntas para a dirigente. Ela comentou que a dirigente estaria presente na gira da manhã, que o horário de atendimento seria das 10 às 12 horas. Informou ainda que no final da gira eu poderia conversar com ela, para conhecer mais sobre o Templo, mas que não poderia ser feito nenhuma espécie de gravação de vídeo, áudio e nem sequer fotos. Então, eu vou passar exatamente o que vi na gira, contando vários detalhes.

Todos foram muito gentis e nos convidaram para entrar. Quando entramos tinha um tipo de “sala de espera” onde poderíamos deixar nossos casacos, bolsas e calçados. Lembrem-se que na França faz muito frio. Foi pedido que deixássemos celulares e qualquer equipamento eletrônicos nas malas, para não atrapalhar o andamento da gira.

Também nos pediram para entrarmos na outra sala onde iria ocorrer a gira. O espaço era muito simples mas muito bonito, lembrando muito que a Umbanda é Simplicidade acima de tudo!

Caboclo Guaracy

O que me chamou a atenção foi o altar, algo muito simples. Uma mesa pequena onde se encontrava uma imagem do caboclo Guaracy, algumas velas e as ervas que seriam usadas na gira, APENAS isso. Mas foi um dos altares mais sinceros que já vi, remetendo a simplicidade e o trabalho que seria feito no decorrer do dia.

Havia apenas algumas poucas cadeiras para sentarmos e uma corda separando a consulência dos médiuns.

A maioria de consulentes era de origem francesa, na verdade eram 90% dos que estavam ali . Algo bem diferente do que eu imaginava, pois achei que encontraria mais brasileiros.

Todos estavam animados pela gira que iria acontecer. No horário correto entraram os trabalhadores da casa ao som dos atabaques, com as músicas que conhecemos cantadas com sotaque! Isso mesmo. Um forte sotaque.

Nunca vi pontos cantados com tanto amor e fé. A consulência ficou o tempo todo de pé, cantando, batendo palmas e dançando. Parecia uma festa. Uma festa em louvor a espiritualidade e a Umbanda, era realmente emocionante. Cantaram o ponto do Caboclo Guaracy e começaram os trabalhos.

Três médiuns incorporaram e iniciaram os trabalhos. Era tanta gente na casa (mais de trinta pessoas) que eu realmente achei que os três não dariam conta. A Dirigente, ficou o tempo todo observando os filhos da casa, auxiliando e tomando conta como uma verdadeira Mãe. Antes do meio dia a gira já havia terminado e todos os consulentes devidamente atendidos. Uau!

Em alguns momentos os Ogãs ficavam só no instrumental, tocando bem baixinho e em algumas horas começavam a tocar pontos de Caboclos, e o público presente aplaudindo e cantando e dançando enquanto estavam na fila esperando serem atendidos.

Todas as entidades falam em português e os cambones traduziam a mensagem dos guias e faziam as anotações em francês para os consulentes levarem para suas casas. Você via pessoas realmente emocionadas enquanto conversavam com as entidades, saindo da consulta radiantes. Uma boa gira é aquela que o consulente sai feliz.

No final da gira, era uma verdadeira festa, os trabalhadores da casa foram convidados a incorporar, enquanto era tocado os pontos com uma alegria sem tamanho. A consulência toda em pé continuava seu ritual dançando, batendo palmas e cantando. Tudo isso de uma forma espontânea! Não era uma exigência do dirigente e sim a fé das pessoas e a alegria de estar participando de um ritual tão lindo.

No final da gira, cantaram ponto de fechamento e para finalizar, o ponto do Caboclo Guaracy. A Dirigente foi dar uma palavra com o pessoal e para meu espanto (não sei porque fiquei espantado, já que 90% da consulência era de franceses), ela agradeceu a todos em francês por terem ido, já que era uma manhã carrancuda e fria. E todos estavam naquela festa, e fizeram uma gira com uma energia que nunca vi tamanha.

Depois que terminou a gira fiquei aguardando para poder fazer umas perguntas, e percebi que os consulentes e trabalhadores permaneceram no templo. Vi eles arrumando umas macas e percebi que eles estavam colocando toalhas de mesa em cima delas. Começaram a servir um almoço.

As pessoas pagam um valor baixo em um prato de comida e todos continuariam ali, recebendo o axé da casa. Provável que esse dinheiro ajuda a manter as despesas da casa, olha que idéia genial! Não precisam ficar atolando os consulentes e filhos da casa com cursos, e sim fazendo trabalhos simples onde todos podem colaborar. Mantendo sempre a simplicidade da Umbanda.

Era o momento de eu poder fazer algumas perguntas que o pessoal do blog havia mandado, mas a dirigente comentou que eu não poderia gravar nem em áudio. E agora o que vou fazer? Ué, eu improvisei. 😀

Mas eu percebi que o “não poder fotografar ou fazer gravações” era mais uma questão de não expor a casa, já que eles usam muito a simplicidade como regra. Para que se expor, se com a simplicidade funciona? Tem meu total respeito e fui conversar com a Mione a cambone que eu tinha trocado e-mails e com a dirigente a Nell.

Para minha surpresa, a Nell é uma americana! Que choque, uma dirigente que comandou a casa magistralmente, é uma americana.

Elas comentaram que os médiuns que trabalhavam eram franceses, eu quase caí da cadeira novamente. Mas como pode todos eles falando português (com sotaque) melhor que eu?

A questão é que o Templo prima pela ancestralidade da Umbanda que é brasileira, então as entidades fazem todo atendimento em português, os cambones traduzem e fazem as anotações em francês e repassam os consulentes. Elas me explicaram que a casa respeita a ancestralidade e os arquétipos. Já que eles fazem um trabalho de umbanda.

Perguntei como funcionava as outras linhas de trabalho? Elas comentaram que em giras abertas são só de caboclos e pretos velhos. Porém eles trabalham com todas as outras linhas, mas em giras fechadas para descarrego dos médiuns e limpeza do terreiro.

Comentaram também que os franceses recebem bem a Umbanda, por causa do contato e respeito que a religião tem pelo simples e pela natureza. Quando perguntei o como fazia para trabalhar na casa, e a resposta foi a mais simples. Todos que frequentam a casa mesmo como consulência, são filhos da casa. E que eles sentem as energias e com o tempo, vão trabalhando sua reforma íntima e se melhorando até fazerem parte do corpo mediúnico. Simples assim.

Eu vi uma Umbanda simples, com pessoas felizes e participativas. Foi preciso ir para o outro lado do continente para reparar que precisamos voltar com a simplicidade da Umbanda. Onde a consulência faz parte da casa, sejam acolhidos como filhos. A Umbanda é respeito, fé e amor. Que ela não precisa ser feita com milhares de cursos ou com mestres ascensionados. E sim com amor e simplicidade.

O “Temple Guaracy des collines” me apresentou uma Umbanda, que na teoria eu vejo várias. Mas não vejo isso na prática.

Obrigado a todos do templo que me acolheram, e deram uma aula do que é caridade e amor.


Por Rodrigo Klukiewicz & Luciana Klukiewicz

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