Para começar a falar algo nesse texto primeiro preciso contextualizar a Umbanda dentro do panorama da sua criação e de suas influências. A religião de Umbanda, fundamentada no plano terreno pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas (C7E), através do seu médium Zélio Fernandino de Morais, em meados de 1908, bebeu de diversas fontes. As influências que foram marcantes na concepção da religião se destacam também na formação do povo brasileiro, isso dito, é onde assumimos que a Umbanda é uma religião com a cara do povo brasileiro.
Sabemos que existiam cultos predecessores a Umbanda, onde haviam as manifestações de espíritos de índios, caboclos, boiadeiros e pretos-velhos. Inclusive, ainda hoje existem essas vertentes, dentre elas podemos destacar a Encantaria e também o Candomblé de Caboclo. Mas a Umbanda como viria a ser colocada pelo C7E só mesmo em 1908.
Entre essas influências, podemos destacar os cultos nativistas que adicionaram sua mística através dos encantados da nossa terra, do uso de ervas nativas do Brasil e principalmente do Tabaco. Além disso temos a grande influência do Catolicismo Romano e também do Catolicismo Popular, advindos da Europa. Ainda da Europa bebemos das fontes espíritas codificadas por Allan Kardec, inclusive a Umbanda nasceu dentro de um Centro Espírita e no estatuto da primeira Tenda de Umbanda – Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade – podemos encontrar a nomenclatura “espírita” e também a recomendação do uso da literatura de Kardec dentro dos estudos para a prática da Umbanda.
Porém de todas as influências, a mais polêmica e mal-compreendida é a africana. Pois, não conseguimos distinguir a África como um continente, logo igualamos (simplificamos) todos os africanos como um único povo, em nossas mentes preconceituosas e rasas. É aí que começa a “mistureba” de idéias e a desinformação. A Umbanda recebeu sim grande influência africana, mas de um povo de cultura Bantu, que habitava a região que hoje podemos compreender como Congo e Angola, basicamente. Esse povo, nunca cultuou Orixá, nem sabiam o que era de fato. Seu culto era baseado na ancestralidade e no trabalho com Inquices. São deidades africanas de origem bantu, que representam forças sagradas, porém nós brasileiros para simplificar dizemos que são simplesmente a versão dos Orixás para os Bantus. Isso é o mesmo que dizer que os Orixás são a visão dos Deuses Gregos para os Yorubás, não tem nem cabimento.
Sendo assim, penso que a nação angola pode revelar valores, costumes e mundividências, mesmo que ressignificados remetem a uma origem africana. Essa não é somente a África sudanesa, de onde se originou o candomblé queto, mas também a África banta, de onde vieram elementos das culturas dos povos da África Central, que, ressignificados, estão presentes no candomblé angola.
Esse esforço de reconstrução das identidades do candomblé reflete o interesse em mostrar a ligação com seu passado africano, não de maneira imutável, mas produzida na narrativa afro-brasileira. A junção destas rotas fragmentadas ao presente procura reconstruir a genealogia “não-dita” da nação angola, e constitui “a preparação do terreno histórico de que precisamos para conferir sentido à matriz interpretativa e às auto-imagens de nossa cultura, para tornar o invisível visível” (HALL, 2003, p. 42).
Tese de Doutorado de Ivete Miranda Previtalli – Minkisi e Inquices: Cosmovisão Banta e Ressignificação no Candomblé Angola.
Na origem a Umbanda se baseou na estruturação Católica e só utilizou dos nomes dos Orixás, de maneira aproximada, como referência para as suas Sete Linhas. Os orixás então eram utilizados apenas para designar os domínios de cada uma das linhas, porém quem as regeria (e rege) é de fato o Santo Católico ou Encantado Brasileiro com aquela identidade. Nesse caso podemos usar o sincretismo, veja só o exemplo:
- Oxalá é tido como um orixá de pureza espiritual e como o chefe dos Orixás. Aquele que Olorum confiou a criação e a direção do ser humano, para a cultura Nagô. Dentro da cultura popular católica essa visão de pureza espiritual compete a Jesus Cristo. Logo a Primeira Linha de Umbanda, acaba sendo chamada de Linha de Oxalá, com a regência de Jesus Cristo. Ou seja, toda vez que nos remetemos a Oxalá, não é o Orixá Africano que estamos evocando ou convocando, mas sim Jesus Cristo ou os seus encantados que obedecem a essa linha. O mesmo vale para todos os demais.
Isso é tão real, que podemos perceber que a primeira grafia das Sete Linhas, não respeitava muito bem essa questão dos Orixás, sendo denominadas da seguinte forma:
- Linha de Oxalá
- Linha de Ogum
- Linha de Euxosse
- Linha de Xangô
- Linha de Nhan-San
- Linha de Almanjar
- Linha de Santo ou de Almas
Percebam que curioso é o sistema utilizado, porém depois com o tempo ocorreu a mudança para a grafia mais aceita, por uma questão de conveniência. Isso também decorre da inclusão ou melhor da invasão Yorubá dentro das Umbanda. Muitos ex-adeptos dos candomblés de origem Nagô, acabaram migrando para a Umbanda, procurando uma forma diferente de culto, mas não conseguiram deixar totalmente de lado a sua raiz. Com eles vieram os Orixás, suas mitologias, seus fundamentos, seus rituais, as quizilas, as feituras e inclusive os atabaques. Podemos concordar que algumas inclusões são interessantes, como é o caso do atabaque. Eu particularmente gosto, porém já vi pessoas reclamando de tal feito, mas eu vejo a musicalidade do brasileiro sendo representada na sua religião mais característica. As lendas também quando são adaptas e recontadas, tem um propósito de compreensão e busca pelo autoconhecimento, tanto quanto como estudamos mitologia grega e seus diversos deuses. Podemos identificar nas lendas, lições de moral e conduta, que são mais facilmente contadas e reproduzidas quando simbolizadas ou de alguma forma enfeitadas, com alegorias e histórias. Porém a Umbanda trazer elementos de feitura de santo, camarinhas, boris, entre diversas coisas, acho um retrocesso, pois estamos tirando a característica de uma religião multiculturalmente influenciada para uma religião apenas africanizada. Para isso já existe o Candomblé, não seria necessária a criação de uma nova religião.
Com essa invasão cultural, a descentralização da Umbanda e a perda da memória da religião, muitos dirigentes impuseram seus jeitos sobre a forma de trabalho da Umbanda. Por fim, acabou sendo mais popularizada uma Umbanda fortemente africanizada e descaracterizada da sua origem. Alguns autores chegam a citar que os Orixás, Inquices, Santos e afins são a mesma coisa. Outros dizem que os Santos são Orixás menores, que estão sob a égide desse Orixá Maior, o que para mim, na visão teológica que tenho é um contrassenso. Por fim, alguns designam que os Orixás na verdade são manifestações de Deus, como se fossem suas faces. Como se o mesmo Deus se dividisse em 7, 14, 16 ou 18 entidades diferentes, se manifestando assim. Aliada a essa concepção ou interpretação equivocada, coloca-se que devemos cultuar os Orixás. Conclusão dos fatos: Hoje a maioria cultua Orixás e se esqueceram dos Santos e, ainda pior, de Deus!
Na Umbanda cultuamos a DEUS, chamado na cultura Bantu de NZambi ou Zambi. Deus é o maior e insofismável! Devemos culto a ELE e só a ELE. Porém reverenciamos as manifestações das forças naturais da Criação através dos seus manifestadores, como os Santos – que são seres humanos que ascenderam a uma condição especial e superior – e os encantados correspondentes. Então, mesmo que houvesse Orixá na Umbanda, nunca iríamos cultuá-lo, render-lhe amores e curvar a cabeça. Apenas iríamos respeitá-los pela sua representação na Criação, da mesma forma que devemos respeitar uma árvore, um rio, o mar e etc.
Umbandista, lembre-se quem pode mais é DEUS e só a ele rendemos culto.
O termo orixá na Umbanda, com o passar do tempo, tomou uma outra conotação, designando um espírito guia. Isso acabou gerando mais confusão ainda. Como o nosso recurso linguístico e vocabulário é limitado e com o passar do ano vai ficando ainda mais restrito (as novas gerações sabem bem menos palavras que as gerações anteriores), acabamos ficando impossibilitados de compreender as coisas sem contextualiza-las cronologicamente.
Então sintetizando: A Umbanda NÃO cultua Orixá! – Estamos entendidos?
Saravá Zambi! Saravá Deus Nosso Pai Criador!
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