Então, foi apresentado na Assembléia Legislativa de São Paulo a Carta Magna de Umbanda, atrelando os nome das representatividades abaixo:

  • Federação Umbandista do Grande ABC – Babalaô Ronaldo Antonio Linares
  • União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil – Jamil Rachid (Pai Jamil)
  • Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo – Carlos Roberto Salun (Pai Salun)
  • Organização Federativa de Umbanda e Candomblé do Brasil – Primado do Brasil – Presidente Maria Aparecida Naléssio
  • Supremo Órgão de Umbanda e Candomblé dos Filhos de Tupinambá do Estado de São Paulo – Reinaldo dos Santos Tupinambá (Pai Reinaldo)
  • Associação Beneficente Paulista de Umbanda – Edson Izidro dos Anjos (Pai Edson)
  • Associação de Umbanda Espiritualista do Estado de São Paulo – Sandra Santos
  • União Regional Umbandista da Zona Oeste Grande São Paulo – Cláudio Franco de Lima (Pai Cláudio)
  • Federação de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros de Diadema – Cássio Lopes Ribeiro (Pai Cássio)
  • Federação de Resistência da Cultura Afro-Brasileira – Waldir Persona (Pai Valdir)
  • União Municipal Umbandista de Guarulhos – José Juvenal dos Santos (Ogan Juvenal)
  • Associação Brasileira dos Umbandistas e Candomblecistas – Marco Campos
  • Dr. Hédio Silva Jr., Advogado, Mestre em Direito Processual Penal e Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP,Consultor Jurídico da FUG”ABC”.
  • Dra. Juliana Ogawa, membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP – Assessora Jurídica da AUEESP e do Primado do Brasil

A proposta é que a religião de Umbanda seja levada mais a sério, com uma apresentação formal de uma carta fundamento seus princípios básicos e os parâmetros os quais deve seguir a religião para ser chamada de Umbanda. Seus co-autores alegam que isso é para trazer a religião de  Umbanda a luz, formalmente sendo aceita e desfazendo as dúvidas e distorções que ocorreram com o tempo com a inclusão de diversos elementos que não eram nativos da Umbanda em sua origem.

Essa carta está dividindo opiniões, algumas pessoas que antes a aprovavam hoje a negam e o inverso também ocorreu. Eu tentarei dar nesse pequeno espaço algumas considerações pontuais, pautadas dentro do meu entendimento, em cada um dos itens apresentados na carta. Ao final farei um parágrafo colocando ponderações mais genéricas.

Olhe as coisas sem preconceitos, apenas de forma crítica e serena. Estamos aqui para o diálogo.


CARTA MAGNA DE UMBANDA

1. Umbanda é uma religião espiritualista de doutrina afro-indígena-euro-brasileira.

Concordo com esse parágrafo e acho interessante ele vir em primeiro. Importante guardar ele para as colocações que virão posteriormente. Com certeza a Umbanda é uma religião formada do mesmo “caldo cultural” que é formado o povo brasileiro. Sendo sempre influenciado por diversas culturas, em sua história, a  Umbanda reflete exatamente o que o brasileiro é! Um povo miscigenado e que sabe ser universalista em várias situações, porém sem conhecimento de sua origem. Mas isso não é de fato ruim, isso é algo interessante. 

2 . É uma religião monoteísta, que crê na existência de um Deus único, inteligência suprema,  causa primária de todas as coisas, eterno onipotente, onipresente, soberanamente bom e justo.

Com esse parágrafo, não há como refutar. É isso mesmo, Deus único e que pode também ser chamado conforme as influências acima citadas de Tupã, nZambi e afins.

3. A Umbanda crê e cultua de forma própria os Orixás Africanos sincretizados com os Santos Católicos, Guias e Mentores Espirituais que, como ministros de Deus, zelam e O auxiliam na realização de Sua obra.

Aqui a coisa começa a ficar estranha, pois no parágrafo UM, assumimos que temos influências multiculturais de origem indígena, europeia e africana. Os Orixás Africanos estariam na influência africana, porém a influência africana primordial dentro da Umbanda advém da cultura Bantu, na região do Congo e de Angola. Nessa região não se eram cultuados Orixás e sim Inquices. Olhando pelo lado universalista, podemos dizer que os nomes são usados por conveniência, porém isso já é uma inclusão posterior, vinda dos candomblés de origem Nagô. As sete linhas segundo Zélio (e isso é importante por causa do parágrafo 5) são: Oxalá (Jesus Cristo) – Ogum (São Jorge) – Euxóssi (São Sebastião) – Xangô (São Jerônimo) – Nhã-San (Santa Bárbara) – Almanjar (Virgem Maria) e a Linha de Santos e Almas. 

Veja que sempre há um santo designando as linhas e as tendas que foram fundadas por Zélio. A tenda matriz que é a Nossa Senhora da Piedade e as demais citadas abaixo:

  • Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição (1918);
  • Tenda Espírita Nossa Senhora da Guia (1927);
  • Tenda Espírita São Pedro (1935);
  • Tenda Espírita São Jorge (1935)
  • Tenda Espírita São Jerônimo (1935)
  • Tenda Espírita Oxalá (1939)
  • Tenda Espírita Santa Bárbara (1952)

Veja que com exceção da tenda Espírita Oxalá, nenhuma outra carrega nome de Orixá. Acredito que foi dado o nome Oxalá para essa tenda, pois seria presunção no ponto de vista usar Jesus Cristo, e também para evitar certa confusão ou perseguição religiosa. Isso é apenas achismo meu, mas até que faz certo sentido. 

Então de fato, creio que os nomes dos Orixás são simbólicos apenas para representar as forças de cada linha, porém quem de fato são cultuados são essas forças (naturais) e os santos que elas representam. Os Orixás Africanos, não são cultuados, veja a diferença entre a Iemanjá original africana e a Iemanjá de Umbanda. 

4. A Umbanda crê na reencarnação e na incorporação das entidades espirituais, em vidas sucessivas, no aprimoramento espiritual e aperfeiçoamento do ser humano para conduzi-lo a Deus.

Sem nenhuma argumentação de minha parte, faz sentido e é a premissa da parte espírita que influenciou a Umbanda.

5. O espírito denominado Caboclo das Sete Encruzilhadas, incorporado no médium Zélio Fernandino de Moraes no dia 15 de novembro de 1908, em São Gonçalo das Neves / RJ – data que reconhecemos como sendo o nascimento da Umbanda – anunciou:

“Com os espíritos evoluídos e adiantados aprenderemos;  aos atrasados ensinaremos e a nenhum negaremos uma oportunidade de comunicação”.

Concordo que essa é a data de fundamentação, sistematização e homologação do que se tornou a Umbanda, mas não de sua criação. Pois, ao estudarmos de forma antropológica, vemos os mesmos princípios e entidades que se manifestam na Umbanda já se manifestando em outras religiões, seitas e cultos. A Umbanda a meu ver é uma evolução ou desdobramento natural do Candomblé de Caboclo, que por sua vez é um desdobramento do Candomblé de Almas e Angola. Ainda assim, com muita influência posterior do Espiritismo, Catolicismo Popular e afins. Porém, de fato, concordo que o Caboclo 7 Encruzilhas, foi o responsável por trazer esse sistema de forma correta, organizada e também como o líder. Para que houvesse um crescimento organizado, porém nem assim mesmo resolveu, pois muito foi incorporado, inclusive as neoumbandas que são Candomblés “mais fracos”, se puder usar essa figura de expressão. Africanizaram tanto a Umbanda, que é confuso afirmar que ela tem um passado anterior, com influência africana, porém não só isso. Esqueceram completamente da parte indígena e a parte africana foi deturpada geograficamente, dando aos Yorubás mais poder do que eles realmente tinham, dentro da fundamentação da Umbanda.

6. A Umbanda considera a natureza com tudo que ela encerra como a obra máxima do Criador,  sendo o altar de Deus – o lugar onde se pode com Ele conversar, porquanto, preservar a natureza é obrigação de fé de cada umbandista.

Concordo e por isso convido todos a pararem de fazer oferendas com materiais que não são biodegradáveis, como velas, fitas, plásticos, louças, espelhos e afins. Também convido a pensarem que ecologia é mais do que manter o ambiente, mas manter tudo em equilíbrio, logo fazer oferendas com grande quantidade de comida como vemos por aí nas neoumbandas é agressivo e chega a beirar o desrespeito com todos aqueles que passam fome. Também convido a todos os Umbandistas a fazer como o Pai Ronaldo e preservar um espaço de mata, um rio, uma praia, etc. 

7. A Umbanda é uma religião sincrética fruto da cultura religiosa de três segmentos: branco do elemento europeu, colonizador; negro – escravizado na África para laborar na terra e o indígena que já ocupava esta terra, portanto,  não admite qualquer forma de preconceito, discriminação ou intolerância.

Isso é o que deveria ocorrer, porém não é o que de fato ocorre. Mas está correta em sua manifestação. Não cabe preconceito dentro da Umbanda, porém isso aqui de fato é um item a mais, só para aumentar o número de parágrafos, pois tem algo que vale mais que a Carta Magna que se chama Constituição e lá já diz que todo tipo de discriminação é preconceito! Esse parágrafo deveria ser expandido, para outras questões, como a orientação de gênero, porém, acho que ficaram com medo de tocar nessa cumbuca. 

8. A Umbanda tem liturgia e ritos próprios derivados da diversidade de raças e culturas que a  fundamentam.  São práticas litúrgicas umbandistas:

8.1 – A preparação e formação mediúnica e sacerdotal;
8.2 – O Batismo;
8.3 – O Casamento;
8.4 – Os Ritos Fúnebres.

Concordo com quase tudo menos o parágrafo de formação sacerdotal. Não existem sacerdotes de Umbanda, existem médiuns com função de liderança. Isso, pode parecer banal, mas é bem distinto. Ser Sacerdote implica que alguém lhe passou uma outorga. Por exemplo, todos os Padres Católicos são sacerdotes pois o Papa outorga os Cardeais, que outorgam Bispos que outorgam Padres. Os Papas foram outorgados como tal, pois representam Pedro, que foi outorgado como a pedra principal da Igreja Cristã pelo Próprio Jesus EM VIDA. Logo para que haja sacerdote o Zélio deveria ter sido outorgado em VIDA, ele foi outorgado pelo Espírito, que era um Padre, de orientação cristã com apresentação indígena. Fica confuso de entender isso não? Aceite que não há sacerdotes. Os Dirigentes são escolhidos de forma distinta, são escolhidos pelos espíritos guias e chefes, depois de certo tempo e não imbuídos de tal por cursos e afins. 

9. Constituem símbolos da Umbanda:

9.1 O Hino a Umbanda;
9.2 A Bandeira da Umbanda;
9.3  O Juramento Umbandista.

Eu não faço ideia do que seja o Juramento do Umbandista, até porque por ser Cristã, creio eu que o Juramento máximo é: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo”.

10. Sendo a Umbanda a manifestação do espírito para a prática da caridade deverá sempre ser exercida sem remuneração, salvaguardada a sustentação financeira da organização religiosa.

Concordo parcialmente! O problema aqui é que deixaram uma salvaguarda, que pode ser explorada de forma a SUSTENTAR o “sacerdote”. Se colocar ele como figura central e importante da religião, logo ele deverá se dedicar integralmente e precisará de uma forma de remuneração. Já sabemos onde isso termina né? Dentro da Umbanda NADA deve ser cobrado na prática da caridade, contudo TODOS os membros de uma casa espiritualista tem a obrigação de ajudar, rateando as despesas da mesma, incluindo os pretensos Sacerdotes, Babalaôs e afins.

11. O adepto da religião de Umbanda deve sempre seguir a ética religiosa e a lei dos homens.

Sempre! Agora explica para eles que os espíritos-guias são mais sábios e já fazem isso. Quem sabe a gente para de ver aberrações por aí mandando trazer maconha pra dentro da Gira ou ir pular o muro do cemitério para pegar terra ou fazer oferenda a meia-noite.

12. Todo irmão umbandista que desejar fazer parte do corpo mediúnico de um Templo deverá prestar o “Juramento Umbandista”.

De novo? Mas qual é esse Juramento? 
“A Umbanda é a manifestação do Espírito para Caridade. Com os espíritos mais evoluídos aprenderemos, aos menos evoluídos ensinaremos mas a nenhum viraremos as costas”? Seria esse? É a máxima cristã já.

13. A Umbanda defende uma sociedade em que todas as religiões sejam igualmente respeitadas, a promoção da tolerância como princípio republicano e a preservação da educação pública laica.

Nada a declarar.

14. A Umbanda será sempre uma casa de portas abertas para todos.

Já não está dentro do preceito da “Umbanda é a manifestação…” ? Mais um parágrafo para aumentar a carta e deixar ela com um número 14, 7×2? Agora eu to divagando mesmo.

Justos e perfeitos, os subscritores desta, a qual estará aberta a adesões, reafirmam o compromisso permanente com o engrandecimento da Umbanda e seus valores magnos.

São Paulo, 13 de novembro de 2015.

Conclusão: A Umbanda não precisa de uma Carta Magna, precisa apenas que as pessoas parem de pensar que são donas dela. Existe uma metodologia que deve ser aplicada, deve ser seguida, deve-se procurar a origem e a tradição. Porém, apesar de alguns dizerem que esse é o propósito da carta, pode-se ver que há muita incongruência na mesma. Como querem buscar a origem se usam termos como SACERDOTE, BABALORIXÁ e afins. Veja que os membros que assinam a carta se colocam como a maior representatividade da  Umbanda, mas no próprio Juramento não é dito que TODOS os Espíritos terão voz? Por que só esses falam então? Quando há algo que vem ao encontro da ideia destes, eles logo dizem que estão fazendo isso para manter a Umbanda uma bagunça. Pera lá! Eu sou o maior defensor da tradicionalidade da Umbanda, porém com inclusões saudáveis, como por exemplo os atabaques.

Veja que os representantes fazem parte de associações que tanto defendem a Umbanda quanto o Candomblé, mas não foi dito, nas linhas da carta, que a Umbanda é uma religião com fundamentação própria? Então por que um mesmo organismo cuida de duas religiões? Não vejo por aí uma mesma organização sendo Católico-Budista, por exemplo.

Tem muita gente que ainda quer lograr com a Umbanda, seja financeiramente ou seja com prestígio. Estão aproveitando a lacuna aberta com o desencarne de uma figura carismática e polêmica para tentar colocar uma nova força. Mas a verdadeira força só é demonstrada no trabalho honesto e desinteressado, através da prática da caridade, auxiliando o próximo sem esperar retribuições. Tenho certeza que é muito mais feito pelo ser humano naquele terreiro de fundo de quintal do que nos desses pais de santo que tem sites, portais e programas de rádio, TV e afins. Devemos nos aprimorar, usar a tecnologia, mas não nos colocar como melhores do que os antigos que não sabem de nada disso e continuam a prezar pelo seu trabalho.

Bom essa é só uma opinião minha, refutem, discutam e exerçam a sua liberdade.

 

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