Comprovar a identidade de quem se manifesta nas sessões espíritas ou espiritualistas é uma das maiores obsessões dos médiuns novatos ou pseudo-médiuns¹. Os Espíritos, mesmo não perdendo a sua individualidade, olham para essa obsessão com desagrado e desdém. Dependendo do seu nível evolutivo podem até se passarem por nomes de grandes vultos da humanidade para mistificar e expor ao ridículo o médium mal-preparado que está recebendo a comunicação.
No Livro dos Espíritos, capítulo 24, pontua-se:
255. A questão da identidade dos Espíritos é uma das mais controvertidas, mesmo entre os adeptos do Espiritismo. Porque os Espíritos de fato não trazem nenhum documento de identificação e sabe-se com que facilidade alguns deles usam nomes emprestados. Esta é, portanto, depois da obsessão, uma das maiores dificuldades da prática espírita. Mas em muitos casos a questão da identidade absoluta é secundária e desprovida de importância real.
A comprovação da identidade, assim como a veracidade dos nomes é uma das maiores aflições dos neófitos e também uma das prerrogativas utilizadas para desqualificar a Umbanda como prática mediúnica depurada. Acusam-na de permitir a manifestação de entidades espirituais que não possuem nomes reais, usando nomes como Pai João, Caboclo Flecheiro, Boiadeiro do Laço, etc. Contra isso, ainda argumentam sobre a manifestação de espíritos de escol – mesmo muitos nem sabendo o que significa a palavra escol – com nomes pomposos e ilustres de filósofos, médicos, políticos, escritores, entre outros. (Agora a nova moda é de médiuns desencarnados).
Lendo acima o trecho extraído do Livro dos Espíritos, percebemos que os Espíritos usam nomes emprestados, ou seja, está homologando exatamente o que a Umbanda faz. Em outras palavras, aquele espírito que se chama Pai João, pegou esse nome emprestado do Pai João Original. Assim também acontece com aquele médico alemão, que pegou seu nome emprestado do médico alemão original. Mas de qualquer forma, ainda termina-se o parágrafo dizendo: “a questão da identidade absoluta é secundária e desprovida de importância real”.
A identidade do espírito não é importante e sim, a mensagem que esse traz, veja adiante:
“Julgamos os Espíritos, como os homens, pela linguagem. Se um Espírito se apresenta, por exemplo, com o nome de Fénelon, dizendo trivialidades e puerilidades, é evidente que não pode ser ele. Mas se as coisas que diz são dignas do caráter de Fénelon e não o contradizem, temos uma prova, senão material, pelos menos de grande possibilidade moral de que seja ele. É, sobretudo nesses casos, que a identidade real se torna uma questão secundária: desde que o Espírito só diz boas coisas, pouco importa o nome que esteja usando.”
Fénelon foi um teólogo, poeta e escritor, ou seja, é esperado dele uma linguagem mais culta e formal. Não esperamos de um espírito dessa estirpe uma comunicação vaga e rasa, muito menos com um linguajar informal e até mesmo vulgar. Porém, confundem isso com a comunicação de um espírito que se apresenta de forma simples. Um preto-velho falando de forma simplória e usando termos comuns aos menos instruídos – com erros de palavras e frases incorretas – é confundido com um espírito negativo ou inferior. Mas se ele se apresenta como uma pessoa simples, seu linguajar não deveria também ser simples? Deveríamos estranhar um preto-velho falando em alemão, isso sim. Ainda completa com o fato de que devemos sempre analisar a mensagem pelo seu conteúdo e não pela sua forma ou pelo “nome” de quem está falando.
Quanto a questão dos nomes ainda, cogita-se se não seria uma mentira utilizar o nome de um outro indivíduo, mesmo que para o bem, conforme vemos no Livro dos Espíritos.
“256. À medida que os Espíritos se purificam e se elevam na hierarquia, as características distintivas de sua personalidade desaparecem, de certa maneira, na uniformidade da perfeição, mas nem por isso deixam eles de conservar a sua individualidade. É o que se verifica com os Espíritos superiores e os Espíritos puros. Nessa posição, o nome que tiveram na Terra, numa das mil existências corporais efêmeras por que passaram, nada mais significa. Notemos ainda que os Espíritos se atraem mutuamente pela semelhança de suas qualidades, constituindo grupos ou famílias simpáticas. Se considerarmos, por outro lado, o número imenso de Espíritos que, desde a origem dos tempos, deve haver atingido os planos mais elevados, e se compararmos ao número tão restrito de homens que deixaram na Terra um grande nome, compreenderemos que entre os Espíritos superiores que podem comunicar-se a maioria não deve ter nomes para nós. Mas, como precisamos de nomes para fixar as nossas idéias, eles podem tomar o de um personagem conhecido, cuja natureza mais se identifique com a deles.”
Conforme a Lei de Afinidade, “semelhante atraí semelhante”. Dessa forma, os espíritos ao se depurarem perdem o ego, sem perder a sua individualidade. Assim, conforme se congregam nas semelhanças de seus pensamentos e aspirações, eles acabam por se sentirem livres para utilizar de um nome que sabem que os encarnados aceitarão melhor.
“É assim que os nossos anjos guardiões se fazem conhecer, na maioria das vezes, pelo nome de um santo que veneramos, escolhendo geralmente o do santo de nossa preferência. Dessa maneira, se o anjo guardião de uma pessoa dá o nome de São Pedro, por exemplo, não há nenhuma prova material de tratar-se do apóstolo. Tanto pode ser ele como um Espírito inteiramente desconhecido, pertencente à família de Espíritos a que São Pedro pertence. Acontece ainda que, seja qual for o nome pelo qual se invoque o anjo guardião, ele atenderá ao chamado porque é atraído pelo pensamento e o nome lhe é indiferente.”
Eles sabem de nossas afeições e escolhem um nome que terá uma melhor aceitação por nós, assim não podemos taxá-los de mentirosos ou levianos. Eles apenas usam as ferramentas que damos a eles. Se nós ouvíssemos a qualquer comunicação e avaliássemos pelo teor da mensagem, talvez eles se apresentassem como José da Silva ao invés de Sócrates ou Platão. De qualquer forma a conexão se dá pela afinidade e não pela simples evocação do nome – não que isso não ocorra, mas é outro processo e para outra finalidade.
“Ora, se o ensino é bom, pouco importa que venha de Pedro ou de Paulo. Devemos julgá-lo pela qualidade e não pelo nome. Se um vinho é mau, não é a etiqueta que o faz melhor.”
Alguns julgam que devemos tentar comprovar a veracidade através de perguntas sobre as características e feitos de um determinado Espírito quando este estava encarnado. Ora, se podemos nós mesmos obter as informações, o que garante que outro Espírito – negativo, mas não ignorante – não consiga obtê-las da mesma forma? Torna-se um processo falho e também pode gerar certo desagravo por ofender o espírito – esse sim elevado – com perguntas corriqueiras e bobas. Ele pode se rejeitar a responder essas coisas vulgares e simplesmente não manifestar a sua comunicação, e isso não é ego ofendido, é apenas uso prático do tempo que ele possui. Já cheguei a ouvir o absurdo de que devemos por a prova a entidade, escondendo moedas no bolso e perguntando a ela quantas moedas temos no bolso, de quais valores e de que cores e formatos. Realmente, vocês conseguem imaginar um Espírito evoluído se preocupando em responder isso? Ou se preocupando em provar para você a sua índole e veracidade?
Na época da codificação muitos médiuns atacados em seus egos inflamados e em suas vaidades recebiam comunicações de Maria, dos Apóstolos e inclusive do próprio Jesus. Vejam, os tempos mudam, os personagens podem mudar, mas a prática continua idêntica. Ainda hoje não vemos tantos que recebem a comunicação de Chico Xavier, Bezerra de Menezes, Paulo de Tarso, Sócrates, Dante Alighieri e outros mais? Pior são os que se dizem a reencarnação dessas figuras históricas, sem que o seu princípio de caráter seja idêntico, ou poderíamos supor que a reencarnação de Sócrates – com essa verdade revelada a ele e em caráter missionário – iria escrever de forma incorreta ou se pronunciar com termos chulos?
“265. A inteligência está longe de ser um sinal seguro de superioridade, porque a inteligência e a moral nem sempre andam juntas. Um Espírito pode ser bom, afável e ter conhecimentos limitados, enquanto um Espírito inteligente e instruído pode ser moralmente bastante inferior.”
Mais informações vindas do século XIX para embasar o que falamos sobre a diferença entre inteligência e moral.
Esse texto já está extenso e há muito mais o que falar. Com certeza abordarei sobre esse tema mais vezes. Mas por enquanto faço um convite para que estudem o capítulo referido sobre a Identidade dos Espíritos, no Livro dos Espíritos. Deixem seus comentários e impressões para debatermos, assim poderemos todos juntos aprender mais.
1 Pseudo-médiuns são aqueles que acham que são médiuns, porém só querem se gabar dos nomes das entidades mais “ilustres” e populares.