Abordamos em artigos anteriores, os rituais de Batismo, o Cruzamento e o Amaci. Nesse artigo iremos explorar um pouco a ideia do Casamento, do ponto de vista cerimonial e religioso e também a Encomenda da Alma no momento do desencarne.

Nessa série Sacramentos de Umbanda, procuramos trazer ao leitor uma explanação direta dos dirigentes espirituais sobre as práticas sacramentais que encontramos dentro da Umbanda. Essa, por ser uma religião multifocal e multicultural, irá também refletir a pluralidade em suas práticas. A procura por um entendimento comum, muitas vezes é infrutífera, pois apesar de estarem sob a égide de um mesmo tronco – a palavra Umbanda – as práticas se diferem de tamanha forma, que poderíamos dizer se tratarem de religiões distintas. Mas não o são porque em seu cerne eles mantêm uma mesma ideia e um mesmo núcleo, a Caridade.

O Casamento.

O Casamento é uma cerimônia em que dois indivíduos conjugam-se para uma vida a dois. Sendo que pela visão civil podemos encontrar o casamento de forma a associar dois indivíduos em seus direitos e deveres perante a sociedade, comungando seus bens e também as responsabilidades civis.

Segundo Fernando Muta, Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da sede e comarca de Tatuí-SP, a definição para  o casamento civil é:

“O Casamento Civil é a união entre duas pessoas com objetivo de constituir família, seguindo as regras do Código Civil. Antigamente era tido como a união entre homem e mulher, porém hoje podemos casar civilmente homem com homem e mulher com mulher.”

Na visão religiosa é dito que o “Dois se torna Um”, porém sabemos que isso é uma visão um tanto quanto fantástica, onde ainda hoje em pleno século XXI encontramos casas em que a relação não é de parceria, mas de subjugação da mulher perante o homem. Em tempos antigos, o casamento era praticamente um contrato de compra e venda, onde o pai da noiva, vendia sua filha mediante ao dote oferecido pelo pretendente, em outras culturas o oposto ocorria, onde o pai da noiva deveria pagar um dote para que o pretendente pudesse se casar com a filha dele, por vários motivos, sendo que o amor era o menos importante. Isso é um resquício dos casamentos efetuados entre nobres, que casavam seus filhos na esperança de unirem os poderes, bens e propriedades. Também o faziam para que houvesse favorecimento militar ou proteção contra invasões.

Em algumas culturas pagãs, ainda se comemorava o casamento por meio de rituais mais frugais e bucólicos, onde se escolhiam as pessoas que se casariam e era executado um ritual, geralmente associado ao Hiero Gamos. O ritual de Hiero Gamos é uma representação simbólica do casamento sagrado entre o deus e a deusa ou em alguns casos entre um deus e uma deusa. Esse tipo de ritual garantiria a fertilidade da terra, resultando em boas colheitas, assim garantindo a comida para épocas de rigor, como o inverno. Ainda há também o ritual do neopaganismo conhecido como Handfasting, que é inspirado no casamento pagão clássico. Os noivos tinham as cabeças enfeitadas com flores e folhas e se atavam suas mãos com fitas coloridas, simbolizando a união dos dois. Esse tipo de ritual ainda era praticado no começo do cristianismo e inclusive dentro do catolicismo na Idade Média, você pode ver esse ritual ocorrer várias vezes dentro da série “The Last Kingdom”, baseado na série de livros Crônicas Saxônicas, de Bernard Cornwell.

Nos tempos atuais os casamentos são motivos de grandes comemorações, com Buffet e muitas outras coisas. Inclusive o dirigente de Umbanda pode celebrar um casamento religioso – sem fim civil – tanto incorporado quanto desincorporado. Mais a frente os nossos entrevistados falarão sobre isso.

Entrevistados responde: O Casamento

Entrevistamos uma série de dirigentes espirituais em busca de informação de como eles procedem em suas casas, terreiros, cabanas, tendas e grupos espiritualistas e de Umbanda. Dentre esses destaco:

  • José Antônio Rodrigues, Dirigente Espiritual da Casa de Caridade Nossa Senhora Aparecida – Santo André – SP.
  • Allyne Freitas, Dirigente Espiritual da Tenda de Umbanda Cabocla Jandira e Vô Joaquim – São Paulo – SP.
  • Fernanda Maldonado e Júlio Rocha, Dirigentes Espirituais da Tenda de Umbanda Pai Joaquim de Angola e Mãe Barbina – Mogi das Cruzes – SP
  • Renato D’Ogum, Dirigente Espiritual do Templo de Umbanda Ogum Megê e Pai Joaquim, São Paulo – SP.
  • Felipe Campos, Sacerdote do Templo-Escola Cacique Pena Azul – São Paulo – SP.
  • Pirro d’Oba, Dirigente Espiritual da Oca dos Capangueiros, administrador da página UTHiS – Umbanda; Tradição, História & Sociologia.
  • Paulo Ludogero, Dirigente Espiritual da Casa de Pai Flecha Certeira e Mãe Jaciara.

7. O Casamento segue o mesmo preceito e ritual do Batismo? Qual sua finalidade e os itens utilizados?

José Antônio Rodrigues: o Casamento é o sacramento da união religiosa de duas pessoas, o compromisso assumido por ambas perante a espiritualidade. Normalmente são utilizados roupas e / ou acessórios (designados em especial para cada casal), solicitados pela entidade chefe, além de uma vela branca, água e as alianças.

Allyne Freitas: Casamento diferente do Batismo não existe o mesmo preceito, o preceito é pedido para ser feito somente 3 dias antecedendo o casamento. A finalidade de se casar na Umbanda é atrair as bençãos de Deus sobre os noivos. Os itens são: bandeja , pemba branca, velas de cera branca, taça, cálice, jarra, toalha branca, frasco com a bebida amarga, frasco com a bebida doce, agulha (dependendo do caso), algodão e muitas flores.

Fernanda Maldonado e Júlio Rocha:  Sim, o preceito é o mesmo. O que difere apenas é o tempo do preceito. A finalidade do ritual de casamento na umbanda e a confirmação junto ao astral do matrimônio. Os itens são a vela, o vinho, a pemba, o sal e o pão.

Renato D’Ogum: O fato do preceito tanto no casamento ou em giras é de extrema importância, pois, ali você se prepara 24 horas ou 48 horas carnalmente e espiritualmente para o seu ritual. O casamento, não deixa de ser um sacramento com o divino sagrado com os Orixás e unindo duas almas que por motivos maiores (o amor e a união de dois corpos em um só), ainda sim, o preceito a preparação espiritual é de suma importância para qualquer ritual, uma vez que, você mexe com o sagrado e divino, precisa estar de corpo limpo, mente limpa e desprendida de qualquer valor negativo da terra.

Felipe Campos: Em elementos o ritual de casamento é muito parecido com o batismo, porém, em função são completamente diferentes. A Umbanda é uma religião espiritualista, e como tal precisa entender o que é em si o casamento. Casar é aceitar compartilhar esta experiência encantatória com alguém, assim com auxilio e desenvolvimento mutuo, assim sendo, é uma ação apenas desta encarnação, é preciso nos livrar daquela visão romântica do amor eterno e entender linearmente que o casamento é realmente até que a morte os separe, depois disso, cada um a seu modo seguirá seu caminho espiritual. Portanto, o casamento é um ritual que ouso dizer, ser um ritual de passagem, pois, sacramenta a passagem, a mudança do estilo de vida dos noivos, que antes eram um e agora sempre mantendo suas individualidades serão dois e este ritual visa à benção e as boas energias dos irmãos e dos espíritos Mentores para que tenham força, fé, discernimento e boa evolução neste momento crucial de suas vidas. Também utilizamos velas, toalhas brancas, pemba, azeite consagrado, sal consagrado, água, ervas e algum elemento especifico que o Mentor solicite, sempre lembrando que pode variar alguns elementos de casa para casa.

Pirro d’Oba: Assim como o batismo de crianças, o ritual de matrimônio é a benção dos Orixás ao casamento. Ritual só feito no caso de casamento de médiuns que estejam dentro da corrente mediúnica. Ou seja, quando um médium da casa se relaciona com alguém externo a casa e anseia formalizar no ritual Umbandista. Pode acontecer de médiuns da mesma corrente se casarem, agimos com o mesmo preceito.

Paulo Ludogero: Em nossa doutrina também é um sacramento, usamos o arroz para prosperidade, pemba e velas acesas simbolizando a benção dos Orixás, colocamos água e crisântemo para abençoar as alianças, para purificar e dar paz na nova união matrimonial.


A Encomenda de Alma.

O Ritual de Encomenda de Almas também é encontrado desde épocas pregressas, da pré-história humana. Assim que o ser humano começou a compreender o mundo ao seu redor como manifestações fenomênicas, atrelou isso aos Deuses. Esses Deuses seriam os regentes da vida e da morte e estariam em condições de decidir o caminho do “desencarnado” posteriormente ao desligamento do corpo material. Encontramos, inclusive, o começo de uma cultura religiosa a partir do momento em que honramos nossos mortos. Isso foi visto tanto na cultura pré-histórica entre os Homo Sapiens, quanto com os Homo Neanderthalensis, os Neandertais.
Dentro de algumas culturas pagãs, faz-se a encomenda da Alma, posteriormente ao corpo sucumbir. Para culturas nórdicas e germânicas era costume – e até desejável – morrer em combate, logo acreditava-se que para seguir ao “paraíso”, a morte deveria ocorrer em combate e com a espada na mão. Morrer sem a espada era visto como um gesto indigno e o morto seria impedido de adentrar o Valhala (terra dos Aesir e Vaenir, deuses nórdicos). O mesmo costume acabou se incorporando em outros povos que tiveram contato com a cultura germânica e nórdica. Para os Egípcios antigos, era necessário todo um ritual de encomenda da Alma (Bah) e do Corpo também, para que o morto pudesse desfrutar de uma boa-vida no pós-morte. Por isso encontramos os processos de embalsamento e mumificação tão bem pronunciados nessa cultura, com vários ritos a serem executados, com profundo respeito pelo morto. Para a cultura helênica (gregos) era comum depositar uma moeda no corpo do morto para que ele pudesse pagar o barqueiro Caronte para fazer a travessia do Rio Stige e chegar até os domínios de Hades.
Para a cultura cristã, as coisas foram um pouco adaptadas, passando a se considerar a encomenda do alma como algo a ser feito antes do desfecho da vida. Quando alguém ficava doente, que via-se que poderia ocorrer um desencarne, logo o sacerdote era chamado para realizar a unção dos enfermos, também conhecida como último sacramento ou extrema-unção. A unção se utilizava de óleos sagrados, que podemos associar como uma herança da influência egípcia entre o povo hebreu, que acabou chegando até os tempos atuais, por meio do cristianismo. Em alguns casos sem a extrema-unção, o morto seria impedido de ascender ao paraíso, ficando preso em zonas de lamento, que conhecemos como purgatório, até que um familiar lhe fizesse o favor do induto, em alguns casos cobrados em prata e ouro.
Na visão do protestantismo a encomenda se chama também unção dos enfermos e ela objetiva curar o doente, ou seja, não é uma encomenda propriamente dita, mas sim uma oportunidade para o enfermo receber a graça divina e se curar. Assim como no Islã onde ocorre também essa sacramentação e a sacramentação da encomenda da alma, preparando o morto para adentrar o Paraíso, sendo que o mesmo deve seguir rituais e procedimentos muito claros, inclusive ser limpo, banhado e depois envolto em linho branco.
Dentro da Umbanda, pela crença da continuidade da vida, raramente se faz um ritual elaborado para encomendar a alma de um enfermo ou desencarnado. Existem preces, orações e rituais de memória e homenagem aos desencarnados, porém sempre pautados como uma continuidade da vida, possível de comunicação e natural. Abaixo nossos entrevistados dão seu ponto de vista sobre isso.

Entrevistados responde: Encomenda da Alma

8. Há um ritual de encomenda da alma? Como é o procedimento?

José Antônio Rodrigues:  Desconheço este ritual específico na Umbanda. Em nossa Casa, utilizamos nossa Fé nas orações, pedindo sempre a Deus Pai, o melhor para o irmão enfermo ou necessitado.

Allyne Freitas: Graças a Deus, ainda não precisamos fazer esse ritual. Porém se necessário iremos seguir o que aprendemos, mas como escrevi anteriormente seguimos muito o que nos é passado pelos nossos guias. O que nos ensinaram é que para encomendar a alma o local deve ser defumado, o Pai ou Mãe Espiritual que estará conduzindo deverá falar algumas palavras sobre o falecido, rezará preces aos Orixás e as entidades para pedir o encaminhamento na vida espiritual do mesmo. O falecido deve ser enterrado de branco como todas suas guias, se o familiar permitir deve ser lavado o corpo antes com banho de Obaluaê. Na hora da sepultura canta-se o Hino da Umbanda e uma prece final. Como citei não fizemos ainda, então sinceramente pode ser que mude o que escrevi acima na hora da prática

Fernanda Maldonado e Júlio Rocha:  Entende se que o ritual de encomenda de alma seja o ritual funerário. Onde o sacerdote faz toda a  preparação do corpo  e do espírito para o funeral. E também procede na cerimônia  social do funeral para encomenda do espírito.

Renato D’Ogum: Entende se que o ritual de encomenda de alma seja o ritual funerário. Onde o sacerdote faz toda a  preparação do corpo  e do espírito para o funeral. E também procede na cerimônia  social do funeral para encomenda do espírito.

Felipe Campos: Existem os Rituais Fúnebres que são importantíssimos para o devido e correto encaminhamento do espírito aos campos espirituais a que ele deva se alocar, é um ritual muito delicado e vital. Antes de tudo devemos dar um banho de Obaluayê no corpo do falecido, para então no ritual do velório iniciar os ritos fúnebres. Consiste em deixar velas ao redor do caixão, cruzamento do corpo, espargindo essências, água benta, cruzamos com azeite consagrado, banha de ori, pó de pemba e elementos específicos caso seja necessário. É um ritual onde não se indica a incorporação, fazemos orações, conscientização do que é a vida, também se pode entoar pontos cantados das entidades que assistiam o falecido para que elas o auxilie nessa nova jornada. É importante entender que toda ritualística tem por objetivo central o desligamento correto e sutil do corpo espiritual do corpo físico, assim dando também consciência para o desencarnado, para que siga sua caminhada sem magoas, rancores e apegos.

Pirro d’Oba: Temos como preceito a utilização da defumação, as águas sagradas de mar e cachoeira, pemba, terra, óleo consagrado e Oração dos médiuns da corrente em torno do irmão falecido. 

Paulo Ludogero: Em nossa doutrina sim, cantos dos Orixas, defumação, azeite e pemba para purificação do corpo, canto de despedida das entidades, encaminhamento da alma, evocando os Orixas da pessoa e dos Orixas Obaluaie, Iansã e Ogum


Nossa série Sacramentos de Umbanda continua em novos artigos, no próximo artigo falaremos sobre os Rituais para Médiuns (Confirmação e Coroação).

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