Zélia de Morais e o ponto do Chefe.

O título desse artigo pode até parecer pleonasmo, já que vemos em prevalência os pontos riscados na Umbanda, porém não é uma exclusividade desta religião. Encontramos pontos similares ou ideias parecidas em várias outras religiões, principalmente aquelas que tiveram algum tipo de influência bantu em sua construção. Encontramos na Umbanda, na Quimbanda, no Vodu, no Hoodoo e em diversos cultos de Congo e Angola. Além disso, vemos sistemas parecidos nos povos escandinavos, através das runas e até mesmo na magia cerimonial europeia e seus sigilos.

Porém, vamos nos focar nos pontos riscados encontrados na Umbanda, que como dito anteriormente, também teve grande influência da cultura do povo Bantu, das regiões de Congo e Angola. Os pontos riscados são uma das manifestações mais bonitas dentro da religião de Umbanda, tanto pela beleza de seus traços, quanto pelo poder a eles conferidos.

Os pontos tradicionalmente são riscados com pemba branca, mas se pode utilizar de outros elementos como farinhas de diversos tipos (milho, mandioca e trigo), pipocas e com fundanga (pólvora). Podem também ser bordados e costurados com fitas em panos que as entidades irão utilizar ou nas bandeiras que representam certas forças dentro do terreiro de Umbanda.

Mas para que servem os pontos riscados? Servem para tudo! Exatamente isso! São formas de evocar forças e mantê-las ativas durante certos trabalhos. Tradicionalmente um guia ao se manifestar deve primeiramente riscar seu ponto e dizer seu nome, isso posteriormente é confirmado em um ritual chamado “CONFIRMAÇÃO”. Esse ponto riscado pelo guia, além de ser sua assinatura, é também seu ponto de trabalho. Neste ponto ele irá evocar as forças da natureza (e do “sobrenatural”) que este trabalha melhor e utilizar o mesmo para ajudar as pessoas que por ali passam.

Alguns pontos são feitos para evocar certas virtudes para dentro do terreiro e outros como sinal de advertência a Kiumbas e Espíritos Negativos, que queiram se aproximar do local. Nem sempre é preciso que o guia risque seu ponto em toda manifestação, mas geralmente ele o fará em momentos específicos que julgar necessário. O que não é correto é um guia JAMAIS riscar seu ponto ou confirmá-lo.

Para confirmar se o ponto está correto, devemos recorrer a Lei de Pemba. Essa é a lei dos símbolos mágicos que são usados dentro da Umbanda e que tem significados próprios. Alguns são importados de outros sistemas mágicos e alguns são nativos da Umbanda, porém todos eles são organizados para comporem um alfabeto mágico que toda entidade e chefe-de-terreiro deve saber reconhecer pelo menos minimamente. Infelizmente, muitos hoje em dia não sabem o que é isso e se atem a mandalas e cabalas que nem sequer sabem do que se tratam ou das forças evocadas. Digo isso exemplificando o formato circular das mesmas. Isso é algo moderno, incluído após a influência da magia europeia ou melhor do ingresso nas linhas de Umbanda de médiuns que vinham já de escolas ocultistas e traziam isso consigo. Não há necessidade de ter o círculo, apesar de algumas entidades riscá-los para delimitar um espaço por questão mais estética do que prática.

Outra lenda também é que todo ponto riscado deve ter uma vela firmada em cima para funcionar. Isso não é verídico, a vela tem sua propriedade e tem seu fundamento, porém a magia do ponto se faz simplesmente ao riscá-lo. Nesse momento a entidade já está colocando lá seu Mojo ou Axé, ativando assim aquele símbolo. A vela entra como algo a mais, para potencializar um trabalho ou para fazer um outro tipo de trabalho paralelo e em sinergia com o objetivo do ponto riscado. O Vovô Francisco do Congo, por exemplo, risca seu ponto e usa a vela na mão, deposita a vela às vezes em cima do ponto, mas a usa mais para acender seu cachimbo do que propriamente iluminar ou ativar o ponto riscado. Curiosamente é uma entidade que leva Congo no nome, ou seja, de origem Bantu.

Nem todos os guias riscam costumeiramente pontos, geralmente o vemos com mais frequência entre os Caboclos, Pretos-Velhos e Exus. Outra curiosidade é que podemos utilizar o ponto de forma permanente, em um símbolo de proteção, desde que tenhamos a permissão da entidade para tal. No Hoodoo, nas Macumbas cariocas e também na Umbanda de Raiz, era comum traçar com pemba ou tinta branca um ponto nas solas dos sapatos, para evitar pisar na mandinga de outras pessoas.

Inclusive, a magia talismânica traz muito do princípio dos símbolos da Lei de Pemba.

Existem Leis de Pembas diferentes, as mais comuns são as de origem Bantu mesmo, que é a tradicional de Umbanda, com símbolos como estrelas, cruzes, remos, tridentes, etc. Assim como a Lei de Pemba da Raiz de Pai Guiné, que tem um traçado mais cursivo, parecido com uma escrita mesmo, com forte influência (aparentemente) hindu e do sânscrito.

São dois sistemas diferentes, mas não concorrentes, ou seja, não existe um melhor que o outro, apenas possuem origens diferentes, mas com propósitos bem semelhantes. Dentro da Umbanda Tradicional, não basta apenas o guia riscar o ponto, mas o médium também deve saber o conhecimento por trás destes, para poder utilizá-lo de forma ativa, sem o concurso de um guia-espiritual (mas sempre com a anuência do mesmo, de uma forma meio que iniciática entre o espírito-guia e o seu médium).

Existem diversos trabalhos, principalmente entregas, que não são feitos incorporado. Então o médium deve saber qual é o ponto certo a ser riscado ou mesmo como cruzar pontos de forças entre si, por exemplo: Ogum com Exu, Iemanjá com Iansã, etc. No local da oferenda (entrega) fazer o símbolo correto e ativá-lo de forma coerente, sem o concurso do seu guia e então proceder com o restante do trabalho.

Em uma dinâmica feita com o pessoal do grupo Espiritualidade em Estudo, propus três pontos-riscados para que os membros pudessem identificar se eram de Exu ou de Pombagira. Posso dizer que quase ninguém acertou, pois tinham em mente que Pombagira carrega um tridente curvo e que Exu carrega um tridente reto em seus pontos. O que é outra lenda, já que isso não quer dizer nada.

Esse conhecimento é algo passado nos terreiros e pelas entidades, não há um curso sobre isso formalmente feito com caráter iniciático. Em alguns cursos você poderá ter uma apresentação sobre a teoria dos pontos riscados, mas só saberá mesmo como usá-los através da prática e da guia de uma entidade espiritual. Mas acredito que em linhas gerais, consegui ser claro sobre o que são os pontos-riscados.

%d blogueiros gostam disto: