Há muito tempo venho discursando sobre como estão tolhendo o que é Exu em uma tentativa de deixar ele “aceitável” para o gosto cultural médio.
Essas palavras podem ser até agressivas, mas ao caracterizar Exu totalmente diferente de sua essência, transformamos o mito em mentira e quando se depara com o que de fato o é (EXU), a gente se incomoda.
Hoje temos diversos repetidores de informação, o que é muito surpreendente, pois com todo acesso a informação que temos, deveríamos ao menos ter mais informações balizadas sendo proferida. A questão é que a informação chegou, mas o discernimento e o senso crítico, conjuntamente com a capacidade de raciocinar sobre as coisas, parece que estagnou.
Hoje queremos consumir o que é fácil, mas não nos damos conta de que não passamos pela significação destas mesmas coisas, aceitando tudo muito facilmente. Acabou-se o que pensar sobre!
Dentre as muitas polêmicas que vemos por aí está a de caracterização de indivíduos como entidades de Umbanda e a perseguição sistemática contra as crenças populares.
Pois é! A gente tentando fazer um serviço acaba prestando um desserviço a Umbanda e as crenças populares.
A Umbanda nasceu livre, sem amarras ou dogmas, apenas com uma orientação: “Prática da caridade por meio dos Espíritos”. Isto se aceitarmos o mito fundador propagado pelo Zélio Fernandino de Morais. Porém a Umbanda é muito mais, é um sistema de enfrentamento e de resistência, assim como sua contraparte a Quimbanda.
A Umbanda e a Quimbanda na figura representativa de suas fileiras como Caboclos, Pretos-Velhos, Exus e Pombagiras, trazem para nós a figura da superação do mito fundador e da subjugação sofrida durante anos e anos da formação e colonização do que viria a ser o Brasil.
Hoje, tiramos o efeito revolucionário da Umbanda e de seus participes e colocamos eles como espíritos de luz iluminados pela filosofia cristã (apesar da Umbanda também ser cristã, mas não é piegas) que os subjugava enquanto encarnados.
Entendem o quão estranho isso soa?
Exu em si, tanto no mito do Orixá quanto nos falangeiros de Umbanda é irreverente por si só!
Um Itan de Exu que expressa sua característica irreverente, rebelde e ousada segue abaixo:
“Contavam os mais-velhos que, na Aldeia de Ajalá, havia dois irmãos muito unidos. Eles jamais tinham brigado entre si. Nunca tinham se aborrecido um com o outro. A fama daquela amizade corria as aldeias e todo mundo comentava, fazendo disso admiração geral.
Um dia, Exu andava por aquele lugar e ouviu comentários sobre o fato. Então, ele resolveu fazer um teste sobre a fortaleza daquela amizade. Descobriu os dois irmãos trabalhando num campo, que era dividido ao meio por uma estrada estreita. E eles trabalhavam cantando, cortando o mato com facões bem amolados, conversando sobre diversos assuntos. Aí, Exu pôs na cabeça um chapéu pintado de vermelho e preto, sendo que de cada lado só se via uma única cor.
Então Exu passou pela estrada, entre os dois irmãos e os saudou, dizendo:
— Bom dia, irmãos unidos!
E os irmãos responderam a Exu em uma só voz. Mas Exu passou por entre eles, sempre olhando para frente e seguiu adiante, até desaparecer na curva da estrada. Aí, um dos irmãos perguntou ao outro:
— Quem era aquele homem de chapéu vermelho?
Ao que o outro respondeu:
— Mentira sua! O homem usava um chapéu preto…
O irmão que viu o homem de chapéu vermelho se sentiu ofendido e, pela primeira vez, mostrando-se aborrecido, devolveu a ofensa. E o que tinha visto o homem de chapéu preto ficou aborrecido também. Daí, eles começaram a discutir, num desentendimento sem igual. A raiva cresceu tanto, que eles terminaram se agredindo com palavras. As ofensas trocadas se agravaram e eles terminaram avançando um sobre o outro, armados de facão. Brigaram tanto que se mataram. E porque eles não tinham herdeiros, o campo ficou entregue às feras e às ervas daninhas.
É por isso que, até hoje, nas aldeias, os mais-velhos ainda avisam:
— Se lembre do chapéu de duas cores: Nem tudo é aquilo que parece ser…
Hoje criticam Exu, Orixás e as entidades de Umbanda como manifestação cultural! Impedem e vociferam contra as suas vestes sendo usadas por pessoas “profanas”. O que precisamos entender é que não existe sagrada separado do profano e vice-versa.
Tudo é sagrado e tudo é profano! Dentro da Umbanda, do Candomblé e outras religiões afro-brasileiras não se pratica a religião, mas a vivencia! Por isso usamos o branco na sexta-feira, pois é visceral a associação com Oxalá. Por isso saudamos a encruza quando passamos, pois sabemos quem mora lá, etc. Da mesma forma podemos fazer brincadeiras que os Orixás e Entidades não se revoltarão como o Deus do Velho Testamento, pois eles sabem que a vida é alegria.
Hoje criticam as pessoas ao saírem “fantasiadas” no carnaval como entidades, mas tudo deve ser levado ao pensamento e não a crítica cega. Eu, se quiser me vestir como tal entidade, não poderia ir ao carnaval exaltar a figura que me inspira alegria e vitalidade?
Veja o caso de Dona Cacilda incorporada no Seu 7 Liras em desfile de carnaval! Abaixo meu post extraído do Instagram do Papo na Encruza:
“As pessoas estão perdendo o significado original das figuras de Umbanda e principalmente de EXU. Umbanda é resistência, Quimbanda é revolução, mas ambas trazem em si toda a naturalidade e jeitão do povo brasileiro.
O brasileiro por mais que sofre é trabalhador, brincalhão e festivo. Seu 7 Rei da Lira como também era conhecido fez muita gente se contorcer. Em meio a ditadura, ia em programas televisivos e fazia muita gente incorporar. Há quem diga até que a mulher do General Medici incorporara de uma Pombogira assistindo a sua performance na TV (Vide Luiz Antônio Simas).
Então porque estão transformando Exu em uma coisa sem graça? Exu é brincalhão e trapaceiro quando quer. Exu é o próprio logro, o mercúrio tupiniquim, aquele que dá rasteira e ri do tombo dos outros, mas que também estende a mão e ajuda quem estiver caido.
Exu é faceiro e gozador, pode xingar e tratar você como compadre ou doutor. Exu é Exu!
Parem de transformar Exu em anjo da guarda… Isso entristece a todos!
O Samba tem raízes próximas da Umbanda e da Macumba, as escolas de Samba também! Por que então excluir a santidade da festa? Só há profanação na mente de profanos! Todo restante é celebração da vida e a vida é o que é mais sagrado!
Seu 7 Rei da Lira não fique triste, seu samba ainda será cantado em outros carnavais!”
Os que se revoltam hoje eram os mesmos que criticavam a censura e os ataques proferidos a atriz Viviane Araújo quando em 2016 ela saiu em um ensaio técnico vestida de “Maria Padilha”!
As pessoas não criticavam quando outras entidades eram representadas nas passarelas e nas avenidas, como orgulho pela religião, como nas fotos abaixo:
Muitos alegam: “Vocês não gostariam de ver o que é sagrado para vocês misturado com o carnaval, onde bebem, se drogam e fazem sexo!”
Realmente, não não gostaria, pois isso incute um preconceito tremendo nessa alegação. Contudo, afirmar isso é dizer que TODOS que estão no carnaval só fazem isso (como se fazer sexo fosse algo errado e como se quase ninguém bebesse né?).
O Carnaval nasceu dos movimentos populares, muitas vezes os barracões tinham sambistas que era do “axé” ou do “santo” como dizem. Além disso, o samba nasce dos terreiros, a cultura afro-brasileira é viva e se adapta. O mundo em que vivemos é representado em nossas festas culturais, sejam elas o Carnaval, o Boi-Bumbá, Parintins, Quermesses, Festas de São Gonçalo e muito mais!
Essas alegações que usam para “censurar” a liberdade fazem coro com a supressão cristã das coisas! Não existe PECADO meu povo, o que existe é consciência. Não faça ao próximo o que não gostaria que fizessem a ti! Coerência!
Não há desrespeito e profanação! Eu adoro andar com camisetas que são provocativas com frases do tipo “baixando o santo”, “Exu Trainee”, “Umbral Staff”, pois eu trago pra minha vida real aquilo em que acredito como meio cultural, religioso e filosofia de vida!
Devemos parar de tentar ser santos para entender que o equilíbrio é fundamental! Vejam o que querem transformar Exu! Um ser catequizado e controlado, quase um escravo submisso a vontade do seu “médium”. Ele não pode mais ser rebelde, ele agora tem que ser catedrático!
Exu é Exu!
E com toda sua expressão é a irreverência total, o grande rebelde e revolucionário, o movimentador das forças e da vida! Não há ordem sem antes haver entropia! Exu acaba com a estaticidade das coisas. Menos santos e mais humanos, é isso que devemos ser.
PS: Antes de criticar a D. Cacilda dizendo que ela era mistificadora, analise sua história e veja se você no seu terreiro fez mais do que ela em um dia servindo como cavalo do Seu 7 Rei da Lira!