A Umbanda é uma religião e por sê-la possui sacramentos, substantivo que tem origem no latim sacramentum e que significa um juramento. Dentro de nossa religião possuímos o sacramento de Batismo (Apresentação), Batismo dos Médiuns (Cruzamento), Casamento, Confirmação de Médium e Coroação de Médiuns.
Algumas coisas se misturam aqui ou ali, em parte são sacramentos abertos a todos e outros são só para médiuns que atuam na corrente mediúnica. Além disto, cada casa tem seu ritual muito específico no que diz respeito sobre essas práticas. Inclusive alguns até mesmo deixaram de praticá-las e outros incluíram elementos advindos de religiões de matriz africana, como Candomblé, aumentando o número de sacramentos.
Dentro do meu ponto de vista, são inclusões que não deveriam estar lá, mas respeito aqueles que os fazem, ponderando sempre com a ressalva de que não são sacramentos umbandistas e sim de outras religiões. Logo, uma pessoa “raspada no santo” não terá sentido ou mais força dentro da Umbanda, pois é um sacramento de outra religião. Pode interferir nas casas que tem mais afinidade com a influência africanista porém não é algo fundamental para prática da Umbanda e em um terreiro que “toca” puramente Umbanda, não teria o propósito ter um ritual advindo de outra religião.
Nessa série de artigos nos propomos a comentar os sacramentos e para isso entrevistamos diversos dirigentes espirituais com vertentes diferentes, incluindo os dirigentes da Casa de Caridade Nossa Senhora Aparecida, na qual eu trabalho. Devemos respeitar todos os pontos de vista aqui expostos, cada um com seu fundamento. A proposta é que seja demonstrada a diversidade da Umbanda e o respeito mútuo que deve haver entre todas as vertentes, cada um praticando do seu jeito.
Vamos iniciar a apresentação dos sacramentos através daquele que pode ser considerado o mais popular: O Batismo.
Origem do Batismo
O origem do batismo se perde com a origem dos ritos cristãos, apesar de haver relatos de ritos de passagem também em diversas religiões anteriores ao Cristianismo, o batismo se tornou quase sinônimo de ser cristão. Isso se dá pela simbologia de ter o próprio pilar central do Cristianismo, Jesus Cristo, sendo batizado nas águas do Rio Jordão, por seu primo São João Batista.
O Batismo tem, ao menos na Igreja Cristã, a função de demonstrar que aquela pessoa é um “filho-de-Deus” sendo membro da Santa Igreja e assim tendo seu caminho para a salvação eterna em ampla margem para ele conquistar. As águas sagradas – de um rio ou outro corpo de água consagrado – é geralmente aspergida ou o adepto é mergulhado nas mesmas, para limpar-se das impurezas. No batismo cristão – principalmente o católico – é comum que os pais escolham a religião e por consequência definam o ritual de batismo, sem o concurso da criança. O próprio termo Batismo, deriva do latim baptismus que em uma tradução livre pode significar lavar-se.
O batismo é um sacramento (conjunto de rituais sagradas de uma religião) na Igreja Católica, na Igreja Luterana e na Igreja Reformada. Sem o batismo a alma da pessoa está condenada a vagar em limbo (purgatório) ou ir ao inferno, segundo as crenças cristãs. Há uma lenda brasileira que conta que o Lobisomem vem atrás dos filhos não batizados das pessoas, e que só para de atormentá-los (quando se salvam de serem devorados) após deixarem de ser pagãos, ou seja, de se batizarem em fé cristã. A Igreja Católica – pelo menos em tese – aceita batismos de outra igrejas Cristãs, por admitir que o mesmo vem diretamente de Deus, sem necessariamente estar atrelado ao sacerdote ou a denominação, desde que seja cristã.
Há ainda a crença dos batismos espontâneos ou por desejo, que seriam aqueles que mesmo sem conhecer Jesus Cristo, por meio da sinceridade e do bom coração, buscam a Deus em obras e se esforçam para cumprir a Vontade do Criador, alcançando a Graça..
“Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém.” Mateus 28:19,20
Entrevistados responde: O Batismo
Entrevistamos uma série de dirigentes espirituais em busca de informação de como eles procedem em suas casas, terreiros, cabanas, tendas e grupos espiritualistas e de Umbanda. Dentre esses destaco:
- José Antônio Rodrigues, Dirigente Espiritual da Casa de Caridade Nossa Senhora Aparecida – Santo André – SP.
- Allyne Freitas, Dirigente Espiritual da Tenda de Umbanda Cabocla Jandira e Vô Joaquim – São Paulo – SP.
- Fernanda Maldonado e Júlio Rocha, Dirigentes Espirituais da Tenda de Umbanda Pai Joaquim de Angola e Mãe Barbina – Mogi das Cruzes – SP
- Renato D’Ogum, Dirigente Espiritual do Templo de Umbanda Ogum Megê e Pai Joaquim, São Paulo – SP.
- Felipe Campos, Sacerdote do Templo-Escola Cacique Pena Azul – São Paulo – SP.
- Pirro d’Oba, Dirigente Espiritual da Oca dos Capangueiros, administrador da página UTHiS – Umbanda; Tradição, História & Sociologia.
- Paulo Ludogero, Dirigente Espiritual da Casa de Pai Flecha Certeira e Mãe Jaciara.
1. Existem dois batizados? O Batismo para Crianças e o Batismo para Adultos?
José Antônio Rodrigues: Sim, quando criança os pais é que entregam os filhos ao Batismo, já quando adultos, a própria pessoa é que o faz de livre e espontânea vontade.
José Antônio Rodrigues: Os pais e padrinhos normalmente presentes, a criança de roupa branca, uma vela para os pais e padrinhos, acesa durante a cerimônia e que depois é guardada de lembrança, recordação. É dito algumas palavras aos pais e padrinhos sempre com referencia à criança, como uma espécie de orientação e significado do sacramento; em seguida, prossegue-se o ato do Batismo, utilizando-se o óleo, o sal a água e uma toalha branca para após a coroa da criança ser banhada, poder ser enxugada. O significado ou propósito é o mesmo, como os antigos costumavam dizer a criança deixa de ser pagã e passa a aceitar, a ter Cristo em seu coração, em sua vida. Em nosso Terreiro, sempre que houveram sacramentos como Batismo, Casamento, Cruzamentos, estes sempre foram realizados por uma entidade, geralmente do Babalaô ou Guia Chefe da Casa, além das bênçãos através das demais entidades presentes, o que acredito ser o mais correto simbolicamente falando, pois o Ato em si é de merecimento dos nossos irmãos espirituais pela caridade e o bem que praticam a todos nós, mas devemos ressaltar que em alguma Casas, é feito pelo próprio Babalaô, sem estar incorporado e podemos lembrar ainda que qualquer pessoa já batizada pode dar o Batismo a outra.
Allyne Freitas:O ritual é realizado dentro do espaço do Terreiro a frente do Congá. O ritual dos dois possuem semelhanças e diferenças, os itens são semelhantes, mas na prática fazemos de forma diferente. Os dois possuem padrinho e madrinha, no caso da criança os pais ficam presentes durante todo o ritual, fazemos desincorporados e ao final se assim for da vontade dos pais chamamos um guia para que possa estar explanando algumas palavras para a caminhada do batizado. Usamos vela de batizado, banha de Ori, pemba em pó, pemba, sal grosso, concha, água pura, água da cachoeira, água do mar, incenso, 2 espadas de São Jorge, folhas de samambaia e alguidar. O propósito do batismo para a criança é que a espiritualidade zele por ela, revestindo-o com a proteção divina e amparando sua caminhada enquanto ser inocente. Para o adulto sempre pensei e penso que seja qual for a religião é sua entrega para Deus e sua conexão com o espiritual.
3. O Batismo deve ser renovado assim como faz a igreja católica com a primeira comunhão e a crisma?
José Antônio Rodrigues: Não, eu não acredito nessa necessidade.
Nivia Rodrigues:
Allyne Freitas: Para a renovação após os 12 anos acho importante, aliás penso que até com mais idade, pois com a maturidade temos mais certeza do que queremos para nossa caminhada, porém acredito que o Ritual dos Amacis já é uma conexão e uma entrega de reafirmação (renovação) com o espiritual a cada um que é feito.
Fernanda Maldonado e Júlio Rocha: Existe sim, e a recombinação da sua fé.
Renato D’Ogum: Conforme eu aprendi, o batizado ele é um ritual sagrado desde que seja feito de maneira correta. Porém, na Umbanda “não existe uma verdade absoluta, pois, cada guia trabalha de uma maneira. Umbanda não é ortodoxa”. Mas desde que haja um princípio pelas forças da natureza que são nossos sagrados Orixás. Em relação de ser renovado, depende muito de cada pessoa, de como foi feito, onde foi feito, porque foi feito e quando feito o batismo. Não vejo necessidade de ser “renovado”.
Felipe Campos: É sempre delicado pensarmos em nossos rituais em comparação com outras religiões, pois temos um conflito de fundamentos, por exemplo, o Batismo católico tem uma função completamente diferente da Umbanda. Na igreja Católica o batizado é uma espécie de variante do ritual de Exorcismo, pois, tem como objetivo a limpeza, purificação dos pecados introduzidos na Terra pelo Demônio, neste caso, o pecado original, ou seja, o sexo que foi praticado pelos pais para o nascimento, logo, a crianças já nasceria do pecado, assim o batizado a livra disto. As renovações do batizado são as renovações da limpeza dos pecados, logo, a Umbanda não consegue se apoiar neste fundamento de renovação, dentro da função que o fundamento de Umbanda entende o batismo, não seria necessário renovação, o que é importante zelar e renovar são nossos cuidados energéticos com nosso corpo mental, espiritual e físico, seja com Amacis, banhos etc.
Pirro d’Oba: A renovação se faz todo ano com o ritual de amací, porém cada médium recebe uma consagração de ervas determinas que coincidam com seu Orixás de cabeça.
Paulo Ludogero: Em nossa doutrina não.
4. Os “batismos” anuais na cachoeira são reconfirmações do batismo original ou seriam outra forma de ritual?
José Antônio Rodrigues: Na verdade não são Batismos, são uma espécie de cruzamento em agradecimentos e também podem servir no íntimo de cada um como uma evolução, “mais uma missão cumprida”, “mais uma participação”…Que espiritualmente falando todos que estão participando de coração abertos e devotados pela missão, com certeza estarão recebendo algo ímpar, sem muitas explicações… Bem íntimo de cada um mesmo.
Allyne Freitas: Aqui nós fazemos como reafirmação nas forças de Oxum e não necessariamente renovação do Batismo. Deixando uma observação que nem todo ano vamos para a cachoeira, mar enfim, trabalhamos com o ritual de Amaci com as águas relacionadas, com os objetos do campo de atuação do Orixá, porém não necessariamente no campo real.
Fernanda Maldonado e Júlio Rocha: Os trabalhos anuais realizados na cachoeira com a lavagem da coroa não é um batismo, e sim uma limpeza e purificação do médium.
Renato D’Ogum: Não chamaria de batismo e sim de um ritual, uma vez que você foi batizado para o culto da Umbanda, não tem a necessidade. Porém, o dirigente é quem determina se houver uma necessidade maior para o médium ali presente, se faz necessário. Eu acredito mais na possibilidade do ritual de descarrego de energia, uma vez que a cachoeira tem a sua força de queda para descarregar energias ali presente do médium, ela serve para “recarregar” também a energia desperdiçada no ano.
Felipe Campos: Não entendo as obrigações na natureza, seja na cachoeira, no mar ou nas matas como reconfirmações de batismo, como dito, dentro do fundamento de batizar não há a necessidade de reconfirmação, entendo estas obrigações como parte do zelo e cuidado energético que todos nós devemos ter, o contato com a natureza, a purificação de nossos canais energéticos, tudo isso são atos de cuidado com nosso corpo mental, espiritual e físico, que são necessários para sempre estarmos aptos em todos estes aspectos para o trabalho espiritual e para a própria experiência encarnatória.
Pirro d’Oba: Nos pontos de força da natureza ligados a cada Orixá nós levamos os médiuns em consagrações de graus evoluídos dentro da hierarquia do terreiro. Ou seja, vamos na cachoeira para consagrar os médiuns que receberão a guia e a quartinha de Oxum. Eventualmente vamos até a cachoeira para fazer saudações mamãe Oxum.
Paulo Ludogero: Em nossa doutrina não, são obrigações a serem feitas e para reforçar a as forças dos médiuns.
Essa série sobre os Sacramentos Umbandistas continua em outros artigos futuros, continue nos acompanhando.