Quer confundir um estudante de Umbanda? Fale sobre sincretismo!
Aliás, nem só de Umbanda, mas também de Hoodoo, Vodu, Wicca, Bruxarias e paganismos afins. Todas as religiões sincréticas vez ou outra criam um colapso mental na cabeça do praticante. Isso quando não descamba para a negatividade e figuras que antes eram deuses em outras mitologias acabam se tornando demônios na atual religião dominante. Assim Baal, um deus muito importante para os fenícios se tornou Baal Zebut ou como costumamos o chamar de Belzebut ou no popular Belzebú. Pazuzu um deus mesopotâmio acabou se transformando em um demônio, ou melhor no Rei dos demônios do vento, etc. Mas demonologia não é o nosso foco, isso foi apenas para ilustrar.
Esse artigo quer simplesmente ilustrar a concepção de Orixás, Deuses, Santos e Divindades diversas que encontramos dentro da Umbanda. Vamos a um pouco de contextualização:
Antes de 1908.
Nesse período já existiam (sempre existiram) manifestações de entidades por meio da mediunidade, porém não da forma organizada como conhecemos na Umbanda. O organizado que uso aqui não é questão de melhor “arrumado” mas sim da forma como a hierarquia de Umbanda começou a compreender as manifestações espirituais. Na África já havia manifestações de Orixás que irradiavam seus filhos e os faziam dançar, por meio do seu Axé, assim como nas religiões pagãs e indígenas ocorria o mesmo. Em algumas religiões indígenas era até comum o Pajé não incorporar, mas sim, por meio de projeção astral, ir ter com os espíritos no plano astral.
No continente americano, muito antes do colonizador europeu aportar e também do êxodo forçado dos africanos para terras brasileiras (e americanas), os indígenas já tinham suas divindades que se manifestavam nos chefes religiosos. Apesar de hoje acreditarmos – no meio popular – que os indígenas cultuavam os mesmos deuses, isso não é verdadeiro. Cada tribo tem sua cosmogonia e seu próprio panteão. Alguns têm personagens em comum, mas que divergem muitas vezes nas formas de se manifestar, mas que trazem um mesmo domínio ou regência.
Quando sacerdotes africanos que foram trazidos como escravos tiveram contato com os indígenas, conheceram as ritualísticas desses povos e seu trato com os encantados e divindades. Adaptando assim sua própria religião para conseguir acessar o poder desses seres. Primeiramente chamados de Calundus, encontrou notoriedade como a cultura de Candomblé Angola, que posteriormente derivaria em algo chamado Candomblé de Caboclo que é uma das origens da Umbanda ou uma de suas influências principais.
O sacerdote, naquela época em condição de escravo, sabia que seus deuses haviam ficado presos na sua vila, pois eles eram divindades locais que só conseguiam expandir sua influência através da conquista territorial, da guerra e da conquista cultural também. Vemos bastante isso na mitologia celta, onde os povos brigavam e guerreavam e os deuses antigos dos perdedores davam lugar aos novos deuses, como se os próprios deuses estivessem guerreando entre si e favorecendo assim com seu poder (ou axé ou moyo) o seu povo. Curiosamente vemos muito disso também na história do povo hebreu que deu origem ao povo judeu.
Os candomblés de origem nagô mantiveram sua crença focada nos seus orixás originais, ou pelo menos assim diziam, pois eles também sincretizaram com os santos católicos (lembram que falei que poderia expandir sua influência por meio de conquista territorial?). Porém, devemos pensar aqui: Os sacerdotes nagôs não eram estúpidos, eles devem ter percebido que a energia que eles acessavam era similar, mas a entidade que respondia a essa energia ou emanação se apresentava diferente. Será mesmo que mantiveram a originalidade ou foi o povo atual que perdeu isso, esqueceram isso ou simplesmente perderam seu Moyo ou Axé primordial para compreender?
A Fundamentação da Umbanda em 1908.
Com o advento da Umbanda Branca, trazido pelo Caboclo das 7 Encruzilhadas (C7E) e também seu médium Zélio Fernandino de Morais, iniciamos uma nova era dentro das práticas espiritualistas brasileiras, onde várias pessoas tentaram organizar o culto. Novamente eu friso aqui que isso não quer dizer que era melhor do que as anteriores, mas apenas uma forma diferente de se cultuar algo.
A Umbanda, assim como os Calundus, a Cabula e outras práticas, desde o seu início trouxe a identidade do povo brasileiro: miscigenado, religioso e muito místico. Podemos ver pela própria figura do Caboclo das 7 Encruzilhadas que ele se dizia Caboclo (filho de índio + europeu) e se apresentava com vestes clericais da sua última encarnação como um padre jesuíta.
Na definição original das Sete Linhas de Umbanda, trazidas pelo Caboclo das 7 Encruzilhadas e também pelo Pai Antônio, explanada no livro Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda de Leal de Souza, vemos que a palavra Orixá era usada para representar um ser evoluído, um espírito elevado e não exatamente a deidade ou divindade africana. Além disso, foi definido que as linhas continham esses nomes, mas era regidas por Santos, logo a linha de Oxalá era regida por Jesus Cristo, a Linha de Demanda ou de Ogum era regida por São Jorge, a Linha das Matas ou de Oxóssi era regida por São Sebastião e assim por diante.
Então se formos novamente raciocinar, não foi trazida uma cultura de Orixás, pois Zélio não era africano ou sacerdote africano, tampouco o era o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Como poderiam eles terem trazidos isso? Quem trouxe essa nomenclatura foi Pai Antônio e o fez, pois era a forma mais comum de se explanar sobre as forças regentes, esse sim o escopo desse artigo que falarei mais adiante.
A invasão Nagô na Umbanda.
Particularmente não tenho nada contra a cultura Nagô e os candomblés, porém tenho que deixar bem claro que a Umbanda e o Candomblé, principalmente o Nagô, são coisas completamente diferentes! Não podemos nos permitir nem licença poética nesse caso. Porém, aproximadamente entre a década de 1940-1950 houve uma invasão de membros de cultura nagô e de candomblés nagô dentro da Umbanda. Com esse aporte de pessoas também foram introduzidas práticas alienígenas a Umbanda – com esse nome – que se praticava até então, como o próprio uso de atabaque e os pontos cantados referenciando Orixás, com mais frequência e profundidade.
Com isso houve uma mistura tão fortemente costurada que hoje é impossível desassociar Candomblé de Umbanda para a população média. Então hoje justifica-se tudo dentro da Umbanda ou por lendas africanas ou por lendas do candomblé (que já é mais abrasileirada) inclusive um sincretismo mais forte e é aí que a confusão pega forte!
Hoje você ouve em todos lugares que tenha um papo sobre espiritualidade uma afirmação como essa: “Oxalá é Jesus!” ou “Oxalá e Jesus são iguais”.
Mas eu posso afirmar uma coisa: Não! Não são! Apesar de trabalharem na mesma dominância e na mesma regência.
Para entender isso tenho que elucubrar um pouco, acompanhe a seguir.
Domínios, Regências e os potes de poder.
Pode parecer até estranho o subtítulo com “potes de poder” o compondo, mas vou explicar. A visão que tenho é de que as entidades sejam elas quais forem não são as mesmas. Existe sim um Ogum Africano, existe sim um São Jorge e hoje existe sim uma entidade que pode denominar de Ogum de Umbanda que é um misto dessas duas energias.
Não quero me aprofundar em detalhes na criação de divindades ou servidores artificiais, porém o que quero dizer é que o pensamento é poderoso e que a crença gera ou cria muitas coisas, inclusive deuses.
Mas voltando ao assunto, para mim tanto orixás, quanto santos, divindades, ou seja, que tipo de encantado for têm domínios variados e não são restritos a apenas uma quantidade limitada. Cada um terá o domínio que melhor lhe couber ou domínios, o mesmo pode ser expandido para a questão de regências.
Por exemplo, em algumas tradições Ogum rege o elemento Ar, em outras Ogum rege o elemento Fogo. Porém dentro da minha concepção ele rege os dois elementos, pois um não existe sem o outro, de certa forma. E qual o problema disso? Nenhum. Mas alguns autores teimam em criar situações fechadas e limitadas, para talvez serem mais didáticos, mas criam também aberrações como reinos minerais e cristalinos, que são composições dos quatro elementos principais segundo a tradição ocidental (ar, fogo, terra e água) ou dos cinco elementos seguindo a filosofia chinesa (Água, Madeira, Fogo, Terra, Metal) ou Indiana (Éter, Ar, Fogo, Água e Terra).
Então para mim, cada domínio atribuído a uma divindade é como se fosse um POTE, uma jarra. Dentro de cada uma das jarras vamos encontrar certos domínios que são abertos a aqueles que conseguem acessá-lo. Por exemplo, existe um pote da Fé, que tanto a entidade Oxalá, quanto a entidade Jesus Cristo poderá acessar. Esse pote contém a FORÇA, essa sim uma emanação de Deus Inefável, o criador do Universo (ou universos). Assim como tem um pote onde está a força da LEI (ordem) que será acessível para São Jorge, Ogum, Tyr, Thor, Zeus, São Miguel, Tranca-Ruas, etc.
Para melhor ilustrar essa ideia o artista Roe Mesquita desenvolveu abaixo uma representação gráfica disto:
Vemos ali um pote universal ou cósmico que é a energia da Lei sendo acessada e irradiada para Ogum, São Jorge (representação de um dos falangeiros da Linha de São Jorge) e Thor, o deus nórdico do trovão. Assim como vemos a energia da fé sendo irradiada para Oxalá e também para Jesus Cristo.
Eles são avatares ou representações dessas energias que não tem consciência, não tem ego, não tem forma e não tem individualidade. Provavelmente essas são as emanações divinas do criador e podem ser infinitas em quantidades, variedades e tipos.
Mas não é obrigatório acessar um só pote ou os mesmos potes, ou seja, apesar de Jesus e Oxalá conseguirem acessar o pote da Fé, Jesus a meu ver também acessa o pote do Amor e do Perdão. Porém o pote do amor também é acessado por Oxum, por Iemanjá e pela própria Virgem Maria. Mas não é acessado por Oxalá, em sua dominância original segundo as lendas africanas. Isso fica melhor compreendido na Figura 2 dos muitos potes, onde temos Xangô acessando a força do Trovão, da Justiça e do Fogo; Thor acessando a força do Trovão; Zeus acessando a força do Trovão e da Justiça e Tupã acessando a força do Trovão e do Sol. Mas são entidades diferentes com domínios similares e que se manifestam em alguns aspectos de forma igual, mas não são os mesmos.
Será que consegui me fazer compreender?
Não vamos cultuar a força por detrás das divindades, tampouco as próprias divindades, mas vamos tentar compreender como elas são trabalhadas, acessadas e usadas para nós. Alguns magos aprenderam acessar essas forças sem intermediários, promovendo verdadeiras revoluções para o bem e o mal do ser. Outros tantos acabaram se corrompendo, pois a força é neutra, cega e não tem ética, nós é que damos a ela a condição que ela tomará. A própria fé quando muito exacerbada gera fanatismo, o que é prejudicial, pois nubla a mente para discernir, questionar e passamos a virar robôs (autômatos) guiados por uma verdade limitada ou relativa.
Espero que isso tenha ajudado a todos a aliviar um pouco os tormentos causados por esse tal de sincretismo. Lembrando que essa é minha visão, o que não é uma verdade absoluta e eu adoraria saber também o que vocês pensam sobre o assunto.