Saci só se for com carne seca (Ilustração: José Luiz Ohi/Reprodução Sosaci)
Como diria o poeta brasileiro contemporâneo Detonator:
“Saci é guerreiro do gorro vermelho
Saci é moleque fanfarrão
Abóbora já tá ficando com medo
Não mexe com o folclore brasileiro”
(Saci – Metal Folclore; Detonator)
Começamos com uma brincadeira evidentemente, pois de uns anos pra cá está muito acirrada essa disputa dos defensores do Saci-Pererê e dos pilotos de Vassoura. No dia 31 de Outubro, cismaram de comemorar o dia do Saci, tentando trazer um resgate do sentimento nacional, para valorizar nossas lendas, nossos mitos e nossos encantados.
Porém, nessa mesma data é comemorado no hemisfério norte (e acabou sendo migrado para o Sul, apesar de não estar de acordo com a roda dos anos) a festa de Halloween ou o famoso Dia das Bruxas. Mas quem estaria certo nessa disputa entre a figura perneta e as moças de chapéu pontudo? Ninguém.
No Brasil já contamos com uma data para homenagear o Saci e todos os mitos e lendas do Brasil, se dando em 22 de Agosto, data que passa ao largo na memória de todos. Porém, por uma infelicidade política, alguém resolveu instituir dia 31 de outubro como dia do Saci, por meio da lei federal nº 2.762, de 2003, elaborada pelo deputado Chico Alencar (PSOL – RJ). Não entendi muito bem se o digníssimo deputado sabia se existia um dia do folclore, onde o Saci é, foi e sempre será a figura principal ou se ele tentou realmente causar mais desgastes, partidarismos e inclusive direcionar os holofotes para sua pessoa. Por que não fez então mais atividades promovendo a cultura e o folclore brasileiro, criando atividades gratuitas para todos assistirem? Por que não deram isenção de impostos para os escritores de livros, histórias em quadrinho e toda sorte de produtos envolvendo essa temática? Por que não instituiram nas escolas a obrigatoriedade do ensino do folclore dentro das aulas de história, geografia e porque não de literatura?
Deixando a política de lado, quero focar no significado das datas para ambos os praticantes, pois bem começamos então pelo Halloween, que é mais antigo (pelo menos para a maioria, menos para o Chico Alencar).
Halloween – Dia das Bruxas
Historicamente o termo Halloween é até que recente, é uma flexão do termo All Hallow’s Eve, que em uma tradução livre significa o Dia anterior ao dia de Todos os Santos e passou a ter essa conotação pelo menos até o Século XVI, mas surge de um ritual e uma celebração muito mais antigo, anteriormente comemorada pelo povo celta, marcando o final do Verão e também o seu ano novo, chamado de Samhain. Esse festival tinha a duração de três dias, então compreendendo o dia correspondente de 31 de Outubro, 1 e 2 de Novembro. Justamente por isso a Igreja Cristã acabou adotando essas datas para suas comemorações:
- 31 de Outubro: All Hallow’s Eve (Véspera do dia de todos os Santos)
- 1 de Novembro: All Hallow’s Day (Dia de todos os Santos)
- 2 de Novembro: All Soul’s Day (Dia dos mortos)
Mas no Brasil não faz sentido algum (literalmente dizendo) comemorar o Samhain na mesma data, por aqui isso deveria acontecer em 1º de Maio, pois as rodas das festividades (e das estações) se invertem nos hemisférios. Mas como uma comemoração festiva, não há mal algum, apenas não tem sentido litúrgico ou religioso (até mesmo mágico).
Com o passar do tempo e a cristianização, muitas pessoas acreditavam que no 31 de Outubro os demônios vagavam pela terra e se materializavam como bruxas. Justamente por isso que ficou conhecido como o Dia das Bruxas e vemos as crianças americanas vestidas de monstros pedindo Doces ou jurando Travessuras (tricks or treats).
Devemos compreender a origem das coisas, para em nossa concepção não fazer confusões. No Brasil não há sentido algum em comemorarmos a data, visto que não temos qualquer ascendência anglo-saxã, mas como uma festa a fantasias, por quê não? Podemos nos divertir, com certeza.
Dia do Saci
Em 2003, nosso iluminado deputado do PSOL-RJ e a vereadora Ângela Guadagnin (PT-SP), resolveram em um dia inspirado, dizer que o dia 31 de Outubro deveria passar a ser o Dia do Saci. O objetivo era de:
“resgatar figuras do folclore brasileiro, em contraposição ao “Dia das Bruxas”, ou Halloween, de tradição cultural celta.”
como diz a redação do texto. Até que de certa forma fez efeito, pois muitos passaram a comentar sobre o dia do Saci e assim estávamos literalmente sepultando o dia do Folclore, sempre comemorado em 22 de Agosto, para sempre, junto com todas as outras histórias de nosso vastíssimo repertório popular.
Uma jogada midiática, que de prático não surtiu efeito. A meu ver o mais correto deveria ser fomentar a data já existente e começar a envolver a população com diversas práticas relacionadas ao folclore brasileiro.
Mas quem é a figura do Saci, para ser tão importante assim? Segundo Luís da Câmara Cascudo:
“Negrinho com uma só perna, carapuça vermelha na cabeça, que o faz encantado, ágil, astuto. O Saci-Pererê usa barretinho encarnado, carapuça vermelha que dá os poderes milagrosos que possui. Se alguém lhe arrebata a carapuça, o Saci dará montões de ouro para reaver o chapeuzinho. Esse elemento é uma herança do Fradinho da Mão Furada e do Pesadelo europeu. O Fradinho da Mão Furada (o Saci aparece com a mão furada em alguns lugares de São Paulo) usa barrete encarnado e causa o pesadelo. Este, quando personalizado, traz a carapuça, e ambos darão quanto se peça para recuperar o chapéu que lhes for tomado. (J. Leite de Vasconcelos. Tradições de Portugal). Amigo de fumar cachimbo, de entrançar as crinas dos animais, depois de extenuá-los em correrias, durante a noite, anuncia-se pelo assobio persistente e misterioso, não-localizável e assombrador. Não atravessa água, assim como todos os encantados. Diverte-se criando dificuldades domésticas, apagando o fogo, queimando alimentos, espantando o gado, espavorindo os viajantes nos caminhos solitários. Há muita documentação sobre o Saci. (…) É conhecido também como Matintapereira, Maty, Saci-Pererê.”
Apesar de ser uma lenda formada em terra brasileira com diversas influências externas, também era conhecido dos Índios Bacaerís, Caraíbas de Mato Grosso, sendo um considerado um Duende ou uma variante do Caipora e do Curupira.
De qualquer forma é bem interessante notar como a estrutura do pensamento folclórico se forma através do contato das histórias com diversos povos. Afinal, Folclore é justamente isso é o Folk (popular) unido ao Lore (conhecimento), ou seja é o conhecimento popular. Vamos valorizar nosso folclore, não só nos dias de comemoração, mas também nos demais, pois o que para os outros são apenas lendas, para nós que vivemos no terreiro são verdades, são vivos e estão respirando ao nosso redor dando vida aos nossos encantados!
Tive uma grata surpresa esses dias ao me deparar com o trabalho do artista Ikarow, que está retratando a cultura brasileira e nosso folclore inspirado em toda a insanidade H.P. Lovecraft. Em sua História em Quadrinhos RIO NEGRO, retrata um dos mitos da região amazônica do Yupari. Como vocês podem conferir no preview abaixo:
Você pode adquirir essa HQ diretamente com o autor em sua loja, basta clicar aqui.
Também lançou um história curta com a personagem Cuca, de uma forma que irá lhe causar pesadelos, confira na galera abaixo: