A oposição entre o Oriente e o Ocidente já despertou muito a curiosidade de diversos estudiosos, entre eles alguns antropólogos que publicaram suas pesquisas relatando o ocorrido no território nipônico naquela época de choque cultural. Entre tantos nomes destaco as contribuições de Renato Ortiz (livro – O próximo e o distante) e Ronan Alves Pereira (Possessão por espírito e inovação cultural) que norteiam a elaboração deste texto.
A chegada da cultura ocidental, como descrevemos nos textos anteriores, provocou mudanças no pais e forçou os japoneses a adotarem novas práticas e posturas diante de situações do cotidiano. Muitas pessoas ficaram sem trabalho por não terem uma qualificação e o índice de desemprego aumentou consideravelmente. Surgiram neste meio seitas budistas que incentivavam seus sacerdotes e adeptos a prática da mendicância, entre elas a Ittoen na qual teve como adepto o jovem Masaharu Taniguchi nos anos 30, antes de fundar a conhecida Seicho-No-Ie.
No caso das duas Novas Religiões Japonesas iniciais, a Oomoto e a Tenrikyo, há uma semelhança em particular, pois ambas foram fundadas por mulheres. Em se tratando de uma cultura altamente patriarcal, em que cabia a mulheres papéis menores na sociedade, ambas só foram ouvidas após serem possuídas por divindades em rituais xamânicos. Ambas vieram de famílias tradicionais, alicerçadas no pensamento feudal e que sofreram com a passagem para a era moderna.
A Tenrikyo de Miki Nakayama
Miki Nakayama, fundadora da Tenrikyo, teve uma vida marcada por episódios de sofrimento, privações e conflitos familiares. Casada aos 13 anos, dedicou-se aos cuidados da casa, dos sogros, marido e filhos. Naquela época quando uma jovem casada, habitualmente ia morar com a família do marido e passava a servir como empregada da casa, lavando, cozinhando e servindo de acordo com as ordens da sogra.
Extremamente devota do Buda Amida (um dos cinco da meditação, apresenta-se sobre a flor de lótus e purifica os desejos), teve pouca instrução e frequentou apenas a escola-templo por apenas três anos. Não acumulou muitos bens e pouco do que conseguiu juntar, distribuía aos pobres. Aos 41 anos de idade funda a Tenrikyo, após ter sido possuída inúmeras vezes pelo espírito de um Kami (como são chamados os deuses no Japão). Durante a possessão ficava reclusa em casa dizendo ouvir vozes e falando com Deus, fatos esses que ocorriam geralmente à noite em forma de pesadelos, gemidos e berros no depósito da casa. Às vezes ficava trancada por três dias seguidos. A divindade Kunitokotachi-no-Mikoto (deus fundador primordial do Japão), teria sido incorporado pela xamã e sido o responsável pelas revelações a ela.
Para a Tenrikyo o ser humano nasceu para ter uma vida de alegria e felicidade, pois foi criado originalmente para isso. Nosso corpo foi emprestado por Deus e apenas o nosso espírito é essencialmente nosso. Quando falamos de espírito, devemos entender que para os japoneses isso engloba coração, pensamento e mente, pois ai reside nosso espírito. Portanto se vivemos no corpo de Deus, daí fica claro e estabelecido a estreita ligação com o Deus Criador do Universo e a necessidade de ter equilíbrio entre corpo e espírito.
Para maiores informações sobre as atividades da Tenrikyo no Brasil, recomendamos o acesso ao site da instituição no Brasil: http://www.tenrikyo.org.br/home
A Oomoto de Nao Deguchi
Nao Deguchi, fundadora da Oomoto, teve uma vida ainda mais trágica, pois ficou órfã aos 9 anos de idade sendo forçada a trabalhar como doméstica deste cedo. Casou-se forçadamente muito cedo com um homem que bebia excessivamente e teve doze filhos, destes alguns morreram logo após o nascimento e o mais velho tentou se matar algumas vezes. As privações eram inúmeras e Nao não recebeu instrução escolar, o que torna seu feito posterior ainda mais extraordinário. Então em 3 de fevereiro no ano que completou 55 anos, a xamã foi possuída pela divindade Ushitora e escreveu o livro sagrado Ofudesaki até o ano de 1918 após sucessivas possessões que duraram alguns anos.
Publicado atualmente pela Oomoto do Brasil com o nome “Revelações Divinas”, as escrituras constituem o alicerce da religião. Suas atividades estão baseadas em três princípios: Um Deus, Um mundo, Uma língua.
Um Deus
A Oomoto cultua o Grande Deus do Principio Criador, que seria o mesmo apresentado em outras religiões com outros nomes como Jeová, Alá, Deus, etc. Acredita que houve outros instrutores que anunciaram a mesma doutrina em outras épocas como Jesus Cristo, Buda, Confúcio, Maomé, entre outros.
Um mundo
Seria a constituição de um único governo estabelecido democraticamente que trataria de problemas mundiais e não apenas locais, sendo assim a Oomoto instituiu o Movimento de Federação Mundial.
Uma língua
Para os adeptos da Oomoto, o Esperanto seria a língua oficial desta nova civilização para que promovesse o diálogo entre todos os povos. Desta forma, o Esperanto deveria ser adotado como segunda língua em todos os países para que não houvesse mais oposição entre os povos. Sendo assim, diversas publicações da Oomoto no Brasil são publicadas em português e neste idioma, como forma de reforçar sua difusão.
Para maiores informações sobre as atividades da Oomoto no Brasil, recomendamos o acesso ao site da instituição no Brasil: http://www.oomotodobrasil.org.br/default.asp
Contudo, há de reforçar que em muitos estudos o xamanismo, as quais ambas as fundadoras foram expostas, seriam uma alternativa de fuga da realidade sofrida no contexto sócio-político-econômico japonês. Além disso, essa seria a única forma destas mulheres serem reconhecidas pela sociedade japonesa, pois eram consideradas como interlocutoras do sagrado neste mundo. Importante destacar também que no caso da Oomoto, a sucessão religiosa, após a morte de Nao Deguchi, fica restrita apenas as mulheres deste clã (família), e seu papel é puramente religioso. Ou seja, ao homem, cabe o desempenho de líder executor e Onisaburô Deguchi, cofundador da Oomoto, foi responsável pela sistematização e organização dos escritos da xamã.
Em nossos próximos estudos vamos conhecer um pouco mais sobre como ocorreu esse processo de xamanismo no Japão e quando falamos de incorporação, a quem estamos nos referindo?