Dando continuidade sobre o tema Coroa Mediúnica, gostaria de abordar de forma comparativa duas doutrinas espiritualistas das mais conhecidas e suas abordagens mediúnicas. Para esse tipo de estudo, peço que se dispam dos seus preconceitos e comecem a analisar as coisas de forma isenta e desapaixonada.

O Espiritismo, doutrina codificada e criada por Allan Kardec à partir de suas observações e comunicações com Espíritos Desencarnados, surgiu na França do Século XIX em meio a era positivista que imperava no Ocidente. A alta sociedade estava completamente absorta pelas manifestações fenomênicas que ocorriam nos grandes salões das rodas sociais. Os franceses achavam tudo aquilo maravilhoso, porém encaravam sempre como entretenimento, dando pouca importância para o que estava por detrás do fenômeno. O primeiro fenômeno a chamar a atenção foram os de mesas girantes, onde mesas batiam seus pés no chão emitindo sons, outras mudavam de posição e alguns até levitavam.

O pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, se sentiu intrigado com tal fato e a principio resolveu estudar o fenômeno para refutá-lo. Como tinha uma educação pautada no positivismo, estudara na escola de Johann Heinrich Pestalozzi na Suiça, acreditava que havia uma explicação lógica e racional para tais comportamentos. Porém ao mergulhar nesse mundo, começou a receber respostas que tinham um cunho inteligente por detrás, palavras e frases sendo formadas por batidas repetidas, por exemplo: bater no chão uma vez, significa a letra A, por duas vezes a letra B e assim por diante.

Como todo pesquisador, isso só aguçou mais ainda sua curiosidade, propôs então uma série de perguntas de cunho filosófico e a partir daí espalhou seu método para vários médiuns (até então não tinham esse nome) para comprovação. Nascia assim o CUEE – Controle Universal dos Estudos Espíritas. Esse controle consistia em pegar várias perguntas e submetê-las a vários sensitivos da época, em locais diferentes e sem relações entre si, para que as respostas fossem comparadas no final. É bom lembrar a todos que era uma época sem internet, onde a comunicação por cartas era o meio mais comum de falar com alguém, porém ainda extremamente lento. Os telégrafos ainda eram uma tecnologia recente, restrita e caríssima. Rivail, ao receber as resposta às perguntas feitas, comparava-as e considerava corretas as que tinham o mesmo cunho, a mesma mensagem. Poderiam ser escritas de formas diferentes, com palavras e estruturas gramaticais diferentes, mas no final a mensagem que passavam era a mesma. Isso foi o que precisava para convencê-lo de que havia realmente uma inteligência invisível aos olhos por detrás dos fenômenos das manifestações das mesas. As manifestações foram aprimoradas, passando para cestos com lápis e depois diretamente para a psicografia.

Assim foi estruturado o Espiritismo, baseado em cinco livros básicos – o Pentateuco espírita – composto de: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e Gênese. Uma doutrina nova que tinha como pilares a estrutura de Filosofia, Moral e Ciência.

Quando aportou no Brasil, tomou um cunho religioso, sendo absorvida por vários ex-católicos que traziam suas práticas e experiências para dentro da nova “religião” que se fundamentava em solo brasileiro. Assim surgiram as casas espíritas de assistência espiritual, o que de fato não é errado, pois os próprios espíritos dizem que: Fora da Caridade não há Salvação.

Dentro das práticas das novas casas espíritas começávamos a ver menos comunicação mediúnica direta com espíritos mais esclarecidos e uma frente bem considerável de assistência espiritual para encarnados e desencarnados. Surgindo assim o passe espírita, a água fluidificada e também as sessões de desobsessão.

Dessas a que mais chama a atenção para nossas considerações é a sessão de desobsessão. Para melhor repassar os conhecimentos doutrinários, os segmentos brasileiros criaram uma estrutura de estudos, que geralmente leva cinco anos, para formação de novos trabalhadores, sejam médiuns, corrente de assistência, passistas e os doutrinadores. Então, começa-se estudando sobre questões éticas e morais sob o prisma cristão, depois passamos para entendimento do mundo espiritual e por fim as aulas de mediunidade e posterior desenvolvimento mediúnico.

As sessões de desobsessão tem caráter de auxílio aos espíritos em sofrimento, negativos ou negativados. Costumamos chama-los de encosto ou obsessor, mas geralmente isso não se dá restritamente a essas categorias, mas não vou me deter nessa terminologia, pois é um estudo a parte. A estrutura da desobsessão geralmente segue a seguinte métrica:

Um médium – geralmente ainda em desenvolvimento ou recém-saído das aulas de desenvolvimento mediúnico – cede o aparelho vocal – psicofônia – para um espírito negativo. Uma corrente envolve esse médium para dar suporte energético e contenção também, enquanto um doutrinador – já mais experiente – conversa com o espírito negativo ou em sofrimento, tentando entender seus anseios e objetivos e demonstrar a ele a ineficiência em se colocar contra a ordem do Criador, tentando trazê-lo de volta ao plano de redenção e evolução.

Nesses casos, temos que destacar alguns fatores:

  1. Quem está sendo ajudado é o espírito desencarnado.
  2. Pelo espírito estar em desequilíbrio, é mais fácil de “recebê-lo”.
  3. Podemos evocar qualquer espírito aqui, que se permitido virá, pois a questão é doutriná-lo. (Antes era aprender com espíritos mais evoluídos, mas isso se perdeu com o tempo).

E na Umbanda como ocorre? Desde o seu surgimento a Umbanda tem um caráter assistencialista, mas não atende apenas os espíritos desencarnados. Geralmente o atendimento a um espírito desencarnado em desequilíbrio se dá primeiramente com a chegada de um encarnado em sofrimento aos terreiros. Esses podem ter dentro de seu campo áurico alguns espíritos obsessores e os mesmos serão recolhidos pelos guias de Umbanda.

Não há uma desobsessão nos moldes espíritas e nem sempre é feita a incorporação de um espírito negativo-obsessor* por um médium umbandista (com a exceção dos médiuns de transporte). Então nesse caso um médium não poderá ficar recebendo qualquer espírito, eis o motivo de não poder evocar espíritos que não fazem parte da sua estrutura energética mediúnica, que chamamos de Coroa.

Na Umbanda o médium incorpora seu guia, que é um espírito mais evoluído, para dar atendimento a um consulente (encarnado) e todos os desencarnados que lhe seguem ou estão lhe prejudicando. Por isso que é preciso que o guia tenha afinidade com as forças do médium e seu padrão vibratório, para poder fazer um BOM trabalho. Nesse caso a manifestação mediúnica se dá para ajudar um encarnado, na via Espírito-ajudando-Encarnado, ao contrário do que ocorre na sessão de desobsessão que é Encarnado-ajudando-Espírito.

Conseguem compreender a complexidade de receber um espírito qualquer, que não tenha familiaridade ou mesmo uma missão para com o médium, a fim de que este proporcione acalanto ao coração sofrido do consulente? Por isso sou extremamente contra essa onda de chamar guia, forçando-o a incorporar nos médiuns, mesmo que estes não estejam dentro da coroa do mesmo, da equipe espiritual que o assiste.

Vamos ter mais cuidado com a generalização das forças e da mediunidade. Não é porque em uma doutrina ou segmento faz assim que no outro também será. Devemos entender primeiramente o propósito do uso da mediunidade em cada local e quem estará se manifestando.


* Exu é um espírito negativo (não estamos falando sobre bondade ou maldade aqui) que os médiuns recebem, mas nem sempre é obsessor. O texto Amoralidade de Exu, pode lhe trazer mais luz sobre o tema.

 

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