Eu estou nesse rolê de magia há muito tempo e me lembro de algumas ondas que ocorreram desde a minha adolescência. Acho interessante ressaltar que elas vem e vão, mas que sempre tem algo em comum: São todas estrangeiras!

A febre começa com o livro “Aradia: O Evangelho das Bruxas” escrito por Charles G. Leland, um folclorista americano que dizia que seus textos eram baseados em textos pagãos de “bruxas” da região da Toscana. Entretanto, ele foi desmentido e contraposto posteriormente por outros historiadores, sobre a veracidade desse texto. Então podemos assumir que Aradia é apenas uma obra ficcional.

Mas na década de 1990, quando abundavam as lojas Alemdalenda nos shoppings paulista, lembro das pessoas claramente consumindo tudo que lá tinha, dos gnomos até mesmo os livros, sem qualquer tipo de discernimento. Associando a filmes como “Jovens Bruxas” e “Da Magia a Sedução, respectivamente de 1996 e 1998 vamos ter a primeira onda da “magia neopagã” expressa pela Wicca, que deu origem a diversas revistas e livretos encontrados em qualquer banca de jornal, com um tom bem “adolescente” cheio de cores, unicórnios, arco-íris e gnomos, é o que eu chamo de PinkyWicca¹.

Essa onda dura até determinado ponto, onde ela começa a ser questionado pelo restante da comunidade mágica e hoje a Wicca não é tão difundida assim, dando lugar para outras práticas de bruxarias (ditas) tradicionais ou naturais. Além disso, houve muito do cenário bruxo brasileiro dando seu próprio tom para as práticas dos europeus, principalmente os de natureza anglo-saxônica e celta (supostamente).

Essa onda também sucumbe pelo interesse crescente nas práticas sobre o Hoodoo, sistema mágico praticado no sul dos Estados Unidos, principalmente na Louisiana e em parte das ilhas caribenhas. De repente, todo mundo praticava Hoodoo…

Agora, mais hodiernamente, vemos a Stregheria nos holofotes, curiosamente o tipo de magia que era praticado pelas bruxas do livro Aradia.

Mas em tudo isso eu sempre contexto (e a própria comunidade também o faz, quando diz que no final se der errado, procure a macumba) o porque as pessoas procuram tanto filosofias e doutrinas estrangeiras quando ela tem em seu próprio solo tradições mágicas riquíssimas – e funcionais, sem adaptações – como a própria Umbanda, a Quimbanda, os Benzedores, as Encantarias, as Juremas, etc.

Fico me perguntando, por que sempre querem algo de fora², algo que não conversa com a sua própria ancestralidade, algo que se vê nitidamente como um “enlatado”, pois não há só verdades na literatura que nos chega, como vimos no livro de Charles G. Leland, muito pode ser apenas ficção.

A pergunta continua…

Eu gosto de estudar diversas tradições mágicas estrangeiras, por conseguir enxergar nelas uma aproximação das práticas nativistas e das práticas brasileiras, como no caso de algumas práticas de HexCraft, uma prática da Pennsylvania onde vemos os Dutch³ com práticas de benzedeiras e rezadeiras do interior brasileiro, como o Hoodoo que também tem muita similaridade com magias de Umbanda e – por que não – de Quimbanda superficialmente, como magia ibérica que a Umbanda, Quimbanda e práticas de feitiçaria brasileira adotaram, etc.

Entretanto quando eu digo similaridade não quero dizer que são exatamente iguais ou a mesma coisa, eis o grande porém. O que posso pensar é que as pessoas procuram essas técnicas estrangeiras por comodismo em parte, pois aprendem só em livros, sem necessidade de vivenciar uma iniciação ou uma vida sacerdotal de fato, com objetos reais, tornando tudo algo muito psiurgico. Outra questão é a menor possibilidade de uma “liderança” de fato contestar a sua prática e suas outorgas, mas ainda penso que é porque o que é “DE FORA” chama mais atenção das pessoas, pois temos uma certa síndrome de não pertencimento (o que explica tanta gente com problemas de ancestralidade).


1 Uso esse termo de forma não pejorativa, mas para trazer a ideia de que era algo bem colorido vendido nas bancas de jornal na década de 1990 e começo dos anos 2000.

2 Isso sem falar no termo Xamanismo usado sem qualquer critério por qualquer um fazendo qualquer coisa, menos Xamanismo de fato.

3 Neste caso não são holandeses, mas germânicos, alemães, que imigraram para essa região e que se chamam hoje de Dutch ao invés de Deutsche, que seria o termo correto para designar o povo alemão.

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