Exu já é uma das mais enigmáticas figuras dentro da mitologia afro-brasileira. Absorvendo o arquétipo trickster, aplicando logros em todos os consulentes e divindades, é visto como aquele que consegue andar torto por linhas completamente tortas, parodiando o adágio popular de que Deus escreve certo por linhas tortas.
Se Exu já é tudo isso, agora imagine uma entidade que chamamos de Exu-Mirim? Aqui entramos em uma celeuma das maiores e em um dos mais confusos arquétipos dentro da Umbanda. Vamos destrinchá-lo?
Algumas pessoas alegam que Exu-mirim é um espírito infantilizado que trabalha conjuntamente as falanges dos Exus, porém, vamos usar o pensamento lógico e pensar mais a respeito disso? Vamos expandir o pensamento e pensar tanto em Exu-Mirim, com essa visão infantilizada, quanto o Erê, espírito supostamente infantil que atua na linha da direita.
Dentro do entendimento da Doutrina Espírita – usando a mesma aqui pois ela é bem sistematizada – compreendemos que os espíritos são manifestações reencarnatórias de essências ancestrais, ou seja, um mesmo ser humano hoje encarnado, já teve várias vidas passadas e está passando por uma existência atual, para que possa cumprir com seus objetivos, rumo ao seu desenvolvimento e evolução.
Tendo isso em mente, podemos assumir, que a impressão das vidas materiais são muito fortes para os espíritos, principalmente aquelas em que se vive por muitos anos. Sabemos por meio da literatura espírita que um ser humano recém-desencarnado, demora para assumir total consciência de suas vidas anteriores, se fixando a aquela que tem mais tempo (vivido) recente, assim como a criança ao reencarnar também está muito presa a vida passada.
Então vamos supor que Adalberto, nossa personagem neste exemplo, tenha tido uma vida de 85 anos em uma encarnação e que faleceu por motivos de saúde, podendo ele ter vivido até os 90 anos, porém expirou-se sua essência ao ter uma vida desregrada, cheia de vícios e abusos.
Após seu falecimento, o mesmo – de forma bem ilustrativa – teria um débito para com a espiritualidade – e consigo mesmo – de 5 anos de vida, além disso, por motivo de seus abusos, acabou comprometendo eu corpo material na existência como Adalberto e seu perispírito manteve essas impressões, logo ele precisaria de uma reencarnação para readquirir o ectoplasma necessário e refazer seu corpo espiritual. Assim sendo, Adalberto recebe a proposta da reencarnação e volta como Vicente, primeiro filho de um casal que tentara engravidar.
Porém Vicente desde que nascera possui problemas respiratórios severos e com 5 anos de idade, seu corpo material perece e ele desencarna em tenra idade. Supondo que esse espírito venha a se manifestar por meio de evocação como uma entidade infantil, ele seria a manifestação de Vicente ou de Adalberto?
Vamos elaborar: Com o que acima foi pontuado, a existência de 85 anos como Adalberto ainda é mais forte dentro do campo psíquico, espiritual e energético desse Espírito. Logo, podemos inferir que o mesmo tem mais resquícios – e possíveis saudades e familiaridades – com o corpo plasmado de Adalberto, além de todas as suas questões emocionais e as memórias.
Então, esse Espírito ao desencarnar como Vicente, viria a manter o corpo como uma criança de 5 anos ou retornaria a existência anterior de Adalberto? Possivelmente, ele retornará a existência que mais lhe impressiona, que é a que mais viveu.
Com isso, como podemos dizer que o espírito permanece criança no plano espiritual? Não permanece! Mas pode se manifestar como uma entidade infantilizada para “driblar” as barreiras e bloqueios mentais e energéticos que os consulentes colocam em si. Contudo, temos outra classe de espíritos que se manifestam de forma infantilizada, mas não são crianças, são seres encantados.
Muitos não possuem existência humana anterior, logo são realmente inocentes do que é o planeta terra e a vida na matéria. Destes, podemos perceber que muitos tem dificuldades em compreender coisas simples do dia-a-dia humano, como a questão do tempo, da família, do dinheiro, do sofrimento, etc. Como seres ainda sem existência humana, são considerados crianças espirituais mesmo e muitos afirmam: “Tio(a) eu nunca tive papai e mamãe”.
O mesmo valeria para os espíritos que atuam como Exus-Mirins e Pombagiras-Meninas? Creio que não.
Por atuarem em departamentos densos, não podemos aceitar que uma criança, símbolo de pureza possa habitar essas zonas “infernais”. Logo, podemos assumir que eles – mesmo que em merecimentos anteriores – só podem ir para esses locais, devido a sua carga que jazia em vidas passadas, que não foram resolvidas na encarnação atual e que eles não se manifestarão como crianças e não manterão o aspecto de criança, mas o aspecto adulto assim que possível. Devemos lembrar que os Espíritos podem plasmar seus corpos espirituais, assumindo as mais diversas formas, de acordo com sua vontade.
Os espíritos podem plasmar seus corpos espirituais, assumindo as mais diversas formas, de acordo com sua vontade
Então, Exu-Mirim é tão criança, quanto Caboclo-Mirim era curumim, ou seja, não era nada criança. São espíritos adultos ou com roupagens adultas, alguns podendo assumir a roupagem de infantil – pois seu médium assim acredita – ou serem espíritos encantados atuando dentro das falanges dos Exu-Mirins. Nessa concepção, podemos distanciar o pensamento do que é promulgado atualmente, que Exu-Mirim é o erê de esquerda. Não é!
Essa visão do Exu-Mirim atual, vem de uma inconformidade e de mais um dos muitos erros na interpretação do mito, que acabam criando verdadeiras fascinações dentro do campo de estudos espirituais. A figura mais aceita de Exu-Mirim, lembra em muito o Brasinha (Hot Stuff, the Little Devil), personagem que se tornou mascote do clube de futebol América, no Rio de Janeiro.
Porém, essa figura é na verdade um personagem de história em quadrinhos, da mesma empresa que criou o Gasparzinho, o Fantasminha Camarada. Vejam, até onde chega a fascinação?
O que muitos não compreendem é que Exu-Mirim não é uma outra classe de trabalho, mas um Exu como outro qualquer. Assim como o são as Pombagiras, logo também podemos afirmar que a Pombagira-Menina segue o mesmo raciocínio. Alguns Exus-Mirins se manifestam como crianças para os médiuns videntes, simplesmente para enganá-los, lembrando que os mesmos são entidades tricksters ou seja, são entendidos como espíritos sagazes ou levados.
Além disso, usam de nomes em diminutivo para mostrar que Exus-Mirins trabalham em falanges diversas: Lodinho, Brasinha, Caveirinha, etc. Na verdade os nomes são de entidades já “adultas”, usando o diminutivo em jocosidade, logo um Exu Caveirinha não é um Exu-Mirim, mas um espírito Exu atuando na linha dos Caveiras.
Para compreender ainda melhor o descompromisso com a lógica é fácil perceber que os Exus-Mirins também pedem bebidas alcoólicas e fumo. É concebível uma criança atuar com esses elementos, mesmo quando o terreiro permite que as entidades fumem e bebam? Inconcebível, pois falta-nos a lógica fria nesse momento, que sempre é tomada pela paixão pela mitologia – que foi deturpada.
Dentro de outro paradigma podemos encontrar o uso da palavra mirim ou dos nomes em diminutivo para com os Exus, também como uma brincadeira ou uma simbologia, levando em consideração que a Umbanda tem forte influência da cultura Bantu, que também é a responsável pelo jogo de Capoeira. Desta forma, ao analisarmos que o Capoeirista escolhe um nome simbólico para si, podemos perceber que muitas vezes, esse mesmo nome, carrega toda uma jocosidade. Podemos perceber isso nos nomes que conhecemos como: Mestre Biba, Mestre Lalu, Mestre Besouro, Mestre Tesoura, Mestre Camisa, Mestre Pastinha, Mestre Cobra Verde, Mestre Bigodinho, Mestre Traíra, Mestre Canjiquinha, Mestre Mintirinha, etc… Já ouvi um capoeirista ser chamado de Mentira, pois ele era pequeno de estatura e tinha pernas curtas, lembrando do ditado: “A mentira tem pernas curtas”. Também já conheci alguém chamado de Bebê, que tem mais de dois metros de altura. Claramente uma brincadeira e um logro com o apelido.
O que precisamos entender é que a palavra MIRIM, tem o significado de Pequeno em Tupi-Guarani. Então, pegando novamente o exemplo do guia-espiritual do médium Benjamin Figueiredo, seria o Caboclo Mirim um erê-índio? Um caboclinho? Um Curumim? Ou estavam apenas dizendo que ele era pequeno em estatura? Ou estavam brincando com ele, por ser alto demais? Lembre-se do personagem João-Pequeno da história de Robin Hood, que era um gigante para seu tempo.
Mirim do Tupi-Guarani, significa Pequeno
A Pombagira-Menina é tida também como uma erê feminina de esquerda? Pela imaginação das pessoas sim, mas de fato ela é uma Pombagira como outras demais, que tem o nome de Menina. Vamos pegar novamente o exemplo prático que temos nos ilês de Candomblé? Temos exemplos de grandes sacerdotisas que se chamam Mãe Menininha (Maria Escolástica da Conceição Nazaré) e Mãe Senhora (Maria Bibiana do Espírito Santo), não é mesmo? São nomes iniciáticos e simbólicos.
A Pombagira-Menina, que deu nome e origem a falage, é um espírito muito jovem, provavelmente uma moça jovem ou adolescente que acabou desencarnando. Desta forma também desconstruímos a ideia de Orixá Exu-Mirim e tampouco Orixá Pombagira-Mirim.
Descomplicador ou Complicador?
Dentro das supostas atribuições de Exus-Mirins e Pombagiras-Meninas, encontramos o fato de serem descomplicadores. Isso é aceito também pela NeoUmbanda e acaba sendo uma “bola-dentro”, porém eles não atuam somente nesse quesito e muito menos no “NADA EXISTENCIAL”. Nada, é nada! Vazio é nada? E aí começa aquela retórica toda que não acaba mais.
Dentro dos estudos praticados por mim, Exu-Mirim se encontra categorizado na segunda Falange da Sétima Linha de Umbanda, conhecida como Falange das Almas, regidas pelo Exu Omulu-Rei. Dentro dessa falange encontramos espíritos que se apresentam de formas mais animalizadas e “monstruosas”, seja dentro da ideia de “intimidação” de outras entidades nos campos inferiores que atuam, seja para médiuns incautos.
A maioria dos espíritos dessa falange atuam nos cemitérios, lidando com “ladrões de ectoplasma” e por isso precisam assumir formas aterradoras para incutir o medo. Os exus dessa falange são de certa forma bem agressivos e o Exu-Mirim está dentre esses trabalhadores, atuando em trabalhos extremamente complexos, sendo chamado para quando nenhum outro exu conseguiu resolver a situação.
Dentro de seus domínios podemos encontrar a Confusão, a Complicação e a Amarração de Casais. Da mesma forma encontramos seus opostos como a Clareza, a Descomplicação e a Desamarração de Casais. Muitos dizem que na falange dos Omuluns ou Omulus são encontrados espíritos que fazem as coisas invertidas, ou seja, se você pedir para que um determinado imóvel não pegue fogo, ele irá pegar fogo. Porém, isso dentro do que vejo é apenas mito.
A Pombagira-Menina atua da mesma forma descomplicando as situações ou complicando as mesmas, porém atrelada mais ao espectro emocional e amoroso do ser humano. Atua na lascividade e na luxúria e pune pedófilos e pessoas com desvios comportamentais em relação ao sexo com crianças.
Os mitos perpetrados e as ilusões são tamanhas, que abrem espaço para criação de verdadeiras aberrações nos terreiros.
Notamos essas confusões não só na condição em que essas entidades são compreendidas, mas também nas homenagens que elas recebem.
Exus-Mirins e Pombagiras-Meninas recebendo doces, sendo cultuados em “buffets” infantis e tratados como espíritos atuando na linha das crianças, mas de uma polaridade invertida. Dão o chocolate ao leite para essas entidades pois, o negro é associado com o lado negativo e criam festas de Halloween fora de época para agradá-los. Porém, tudo isso não passa de mistificação, fascinação e exagero dos próprios médiuns que não interpretaram de forma correta o mito e tampouco a entidade.
São pessoas que ainda se encontram presas a literatura umbandista específica e não conseguem raciocinar de forma lógica. Estou só esperando, que em breve será anunciarem que uma consagração massiva dessas entidades será realizada em um Parque de Diversos, quiçá na Disney World. Vamos usar o nosso discernimento, pois algo que é tão claro e salta aos olhos não deve ser apenas “aceito” sem maiores investigações.
As oferendas de Exu-Mirim e Pombagira-Menina
Conforme visto acima, não podemos aceitar esses tipos de oferendas que nada tem a ver com a estrutura da Umbanda ou de suas práticas anteriores. As oferendas de Exu-Mirim não contém carrinhos, brinquedos, chupetas, doces e muito menos chocolate ao leite (vulgo chocolate preto). Exu-Mirim e Pombagira-Menina usam das mesmas oferendas que os Exus “adultos” (muitas aspas aqui). Certamente aceitam o famoso Padê de Marafo, Marafo com Mel, Limão e Pimentas. Pombagira-Menina, aceita o licor de anis (anisete), o espumante vermelho e cigarrilhas como todas as demais pombagiras, além claro de rosas vermelhas belíssimas.
Deixamos claro? Então pare de dar carrinhos e bonecas para essas entidades que são muito mais “poderosas” do que vocês pressupõem. Deixem eles trabalharem dentro dos domínios que lhes são próprios.