Uma das linhas mais misteriosas dentro da Umbanda e que causa tanto fascínio quanto medo. Esta é a linha das crianças, também conhecida como Linha de Cosme e Damião, Linha de Erês, Linha dos Ibejis e Linha dos Cosminhos.

De fato a ideia deste artigo surgiu dentro do grupo de apoiadores do Vortex Caoscast que trouxe as seguintes indagações do Igor:

“Tenho um lance que queria saber, o lance dos erês. É tão difícil achar material sobre, ou não tem ou são muito rasas. Tão lá na tríade energética do terreiro e são ignorados do ponto de vista doutrinário porque são ‘infantis’. Tipo, não tem terreiro com entidade chefe Erê Mariazinha, tá ligado? Qual a função deles, real, ali dentro? Por que parecem ser super importantes na teoria e depois… tchau erê? Eu fico assim perdido, porque minha entidade de frente é um erê, no terreiro que frequentava ninguém nunca me orientava bem sobre isso.”

Esta linha, apesar de poucas informações é uma das mais confusas, visto que a gente tem várias nomenclaturas para, supostamente, a mesma entidade: Crianças, Erês, Ibejis, Cosmes, Dois-Dois, etc.

Muito dessa confusão se dá pela mistura entre a teologia, fundamentação, cultura e mitos dos Candomblés e da Umbanda. Ibeji, a princípio são entidades ou divindades africanas de origem nagô, que representam o mistério dos gêmeos, dos polos opostos e complementares. Geralmente os Ibeji são representados como infantes. Já, Cosme e Damião, são santos católicos, que praticavam a medicina e que podem também serem confundidos com os Ibeji pelo sincretismo, associando as coisas de forma incorreta.

Mas esse artigo é para falar sobre a linha de Trabalho das Crianças, que está inserida dentro da Primeira Linha, a da Fé (Oxalá), nas falanges de Cosme e Damião. Dentro destas falanges encontramos uma legião dedicada as crianças, que são espíritos em sua maioria encantados, naturais, que não possuíram uma vivência humana anterior.

Quando falamos assim, parece até uma insanidade pensar que existem diversos espíritos que acabam se manifestando na Umbanda, que de fato não tiveram vidas humanas, porém, diferentemente de outros encantados, esses espíritos possivelmente sentem atração pelo campo material humano e por sua linha evolutiva, tanto no auxílio, quanto numa futura encarnação nesta realidade, para então começar a evolução dentro dos parâmetros humanos.

Associamos a eles uma visão mais infantilizada, pois como espíritos puros, ainda não passaram pelos meandros da existência humana. Podemos assumir que “não pegaram a malícia e a maldade” que nos é pertinente e por isso muitas vezes se manifestam de uma forma inocente, quase desconexa. Vemos essa estranheza pois muitos se manifestam dizendo que não tiveram pais e mães, que atuam em locais fantásticos onde a natureza é extremamente exuberante e citam personagens que julgamos míticos ou folclóricos como se fossem amigos de um chá da tarde.

Tudo isso se dá pelo seu plano de realidade ser diferente do nosso, porém se manifestam na Umbanda de uma forma pura, para trazer dentro de suas capacidades a magia mais elemental que podemos encontrar. Inclusive é muito comum ouvir a frase: “Em mironga de erê, ninguém consegue mexer”. 

Essa frase não é de todo errada, pois os erês por estarem mais próximos a pureza elemental conseguem manipular de uma forma totalmente diferente as energias da criação e da natureza, desta forma para desfazer algo que um erê fez, só outro erê.

Da mesma forma que manifestam esse poder bruto, podem ser extremamente prejudiciais quando mal direcionados, por isso, dentro da Umbanda, todo espírito infantil vem sempre acompanhado de uma figura de autoridade e sabedoria, o que traduzimos como o arquétipo do Preto-Velho.

Justamente por causa dessa sua falta de “maturidade” e de “empatia humana” é que ele não pode ser um Chefe-de-Coroa, porém pode ser sim um Guia-de-Frente, sendo o trabalhador mais frequente nas incorporações e manifestações mediúnicas de auxílio.

Saiba mais sobre o tema Chefe-de-Coroa, Mentor, Espíritos-Guias, Guia-de-Frente no texto “A Cabeça do Médium e os Orixás de Cabeça”.

Mas ainda temos algumas perguntas não respondidas, como por exemplo, o porquê que esses espíritos são sempre retratados como crianças levadas que gostam muito de doces e fazem sempre travessuras. Neste caso, a resposta que posso dar é que isso é em grande parte devido a mistificação e ao animismo do médium, que peca em estudo, que peca em aprofundar-se nos mistérios da incorporação e da espiritualidade e que muitas vezes fantasia e dá vazão a seus próprios desatinos e desequilíbrios. É quase uma forma de extravasar a criança interior que esse médium calou durante muito tempo.

Porém, nestes casos devemos ficar alertas e encaminhar os médiuns para um tratamento espiritual. O problema neste caso é que está é uma visão tão enraizada dentro da cultura de Umbanda, que muitas vezes casas inteiras – inclusive seus dirigentes – se manifestam dessas formas mais esdrúxulas possíveis. Isso seria bom – de fato – para a Umbanda?

Zélio Fernandino de Morais, já relatava sua preocupação com a manifestação destes tipos de espíritos, que poderiam incorrer da mistificação e do animismo dos médiuns em desequilíbrio.

De outra forma, nem só esses encantados se manifestam na Umbanda como crianças. Temos ainda uma outra classe de espíritos que se manifestam como crianças, mas não são crianças de fato. Estes espíritos usam desta roupagem fluídica para quebrar as amarras de espíritos embrutecidos e corações fechados, fazendo com que a docilidade e receptividade das crianças possam tocar a Alma em necessidade.

Sempre que toco neste assunto, me questionam o porquê de não serem espíritos de crianças realmente vindo se manifestar. Para isso precisamos entrar em debates mais profundos, que nem sempre (nunca!) são agradáveis para nossas ilusões.

O Espírito humano é um ser que se apega as vidas que possuía e não abrirá mão tão facilmente de uma identidade que ficou impregnada em seu mental por tantos anos. Para explicar melhor essa questão, precisarei exemplificar.

Levando em consideração uma pessoa chamada Marcos com 80 anos de idade, que venha a desencarnar, podemos considerar que este mesmo espírito possa vir em uma futura encarnação como Antônio e neste caso, desencarnar com tenra idade. Vamos aqui para questões de exemplo fixar a idade de sete anos para essa existência como Antônio, anteriormente conhecido como Marcos.

Uso aqui a idade de sete anos, por ser um número emblemático na Umbanda e também por ser a data limite da mediunidade aberta. Esse assunto iremos tratar em artigos futuros. Mas também optei por esse limite, pois a maioria das crianças que se manifestam dentro da Umbanda dizem não ter mais de sete anos, com raríssimas exceções que nem podemos considerar muito, pois pode ser animismo ou mistificação.

Neste caso de nosso exemplo, Antônio, teve apenas sete anos como criança. Levando em consideração a média das crianças, podemos dizer que ele não adquiriu experiências suficientemente para dizer que foi uma encarnação mais importante – do ponto de vista de conhecimento – do que a que ele teve como Marcos. Neste caso ele passou 80 anos inserido em uma vida, com conhecimentos, desafios emocionais, sentimentais, mentais e espirituais.

Quando do desencarne, o Espírito de Antônio sente a vibração e influência da existência como Marcos muito mais forte, e com certeza voltará a se plasmar com a aparência e com todo conhecimento que possuía como Marcos. Porém, caso ele entre para as fileiras de espírito de trabalho, ele pode assumir sua última forma astral – como Antônio – para dar atendimento como criança nos terreiros.

A questão é como diferenciar um Encantado de um Espírito Humano? Isso se dá pela forma de manifestação. Os Encantados são mais estranhos a coisas comuns do dia-a-dia, irão perguntar coisas bobas que todos encarnados sabem, pois fazem isso todos os dias. Além disso, muitos não vão comer doces, irão preferir a natureza, irão dar preferência para frutas e sucos, além de claro dizerem que nunca tiveram papai e mamãe.

Compreendemos aqui como é tão complexo esse assunto sobre Crianças?

O que quero deixar claro é que a visão de inocência deles se dá pela não experiência nas questões humanas, porém isso não os torna menos poderosos ou eficientes. Um Erê ou Criança é uma entidade de grande poder de realização que muitas vezes é subjugada ou mal-utilizada. Justamente por isso, devemos muitas vezes nos desfazer de certas ilusões, para entender de fato o escopo dos trabalhos das entidades.

De qualquer forma, eles também são comemorados no dia 27 de Setembro, junto a Cosme e Damião que são regentes da falange maior que os abarca. Saravá a todas as Crianças!

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