Dentro da filosofia do Ayurveda (Medicina Indiana baseada nos Vedas), o ser humano pode possuir três tendências ou qualidades, que lhe caracterizariam a forma de comportar-se mental e emocionalmente, chamados de gunas. Esse é um processo natural, que todos os indivíduos passam devido a reencarnação e a volta ao plano material para aprimoramento. A alma seria aprimorada com o passar das existências, partindo de um princípio ou qualidade chamado tamásico até chegar em uma condição satívica.

Os três Gunas são classificados como Tamas, Rajas e Sattva, sendo o primeiro o mais “materializado” e o último sendo o mais “elevado”. Portanto uma pessoa de característica tamásica, irá na maior parte do tempo tender a obscuridade, a escuridão e ao embrutecimento.

Isso não quer dizer que a pessoa tenha que ser assim, mas que sua natureza mental e emocional será essa, logo iremos notar que são pessoas mais letárgicas, reativas, torpes e brutas. Muitas vezes o guna Tamas é associado a características negativas, porém devemos ressaltar que não falamos de Bem e Mal aqui, apenas de ignorância, de ilusão e de falta de profundidade.

Os indivíduos tamásicos tendem a ser autodestrutivos e também acabam exercendo atividades destrutivas para com seus semelhantes. É aquele motorista que não apenas xinga no trânsito após uma fechada, mas persegue a pessoa e bate em seu carro;  aquele torcedor de times de futebol que vai ao estádio para brigar; o pai de família que se embriaga e bate na mulher e nos filhos. Porém, isso são tendências que devem ser enfrentadas, não podendo se ceder a elas. São em muito preguiçosas, não querendo mudar nada em suas vidas, passam a maior parte de sua existência de forma fútil e inconsciente.

Em contraponto o indivíduo Satívico, que pertence ao guna Sattva, é um indivíduo que já passou da categoria da materialidade, atingindo uma abnegação e altruísmo ímpar, compreendendo seu papel no todo e como ele pode ajudar para seu autodespertar e para o despertar do próximo.

São indivíduos mais ordeiros e que representam em suas atitudes muita pureza, estando sempre com pensamentos positivos ou tentando enxergar algo de positivo, nem que seja um aprendizado no meio da dor, de uma situação negativa. São afetuosos, sem serem aprisionadores, altruístas e tem pensamentos muito coerentes e lúcidos.

Associados constantemente a práticas espirituais, devemos lembrar que não é preciso ser religioso para ser espiritualizado. Dentro dessa categoria encontramos os avatares da humanidade, como Buda, Krishna, Gandhi, Jesus, Chico Xavier, etc. Apesar dos nomes famosos, existem diversos indivíduos Sattva no planeta que são desconhecidos.

O meio termo estaria expresso no guna Rajas, ou seja, a maioria dos indivíduos do planeta – hoje encarnados – seriam pertencentes a esse guna ou qualidade. São ainda indivíduos regidos pelos desejos, principalmente de acumular bens e que temem perder o conforto que possuem.

O desejo, que é muito vilanizado no pensamento ocidental, na verdade é um motivador, é um empurrão para que o indivíduo saia da inércia do Tamas. Por meio do desejo, a manifestação do Ego, tendemos a nos movimentar e assim dinamizamos os processos de aprendizado aos quais devemos nos submeter. Encontraremos indivíduos dinâmicos, mas que podem também tender ao egocentrismo, ambição, vaidade, preocupação, consumismo e necessidade de acumular bens, riquezas, poder e prestígio.

Os Gunas para a filosofia Ayurvédica é praticamente uma forma de reconhecer os nossos padrões mentais e emocionais e também conseguir compreender a forma como lidaremos com o mundo e com os estímulos da vida. Essas tendências são progressivas, ou seja, um indivíduo que atinge um grau Satívico jamais voltaria a ter uma tendência Tamásica, logo se eu ainda possuo qualquer resquício de Tamas ou Rajas em meu individualismo e personalidade, posso ter certeza de que sou Tamas ou Rajas, mas jamais Sattva.

O Bhagavad Gita (Sânscrito: भगवद्गीता), em uma tradução livre conhecido como “Canção de Deus“, sendo um texto religioso, traz diversas instruções e orientações sobre o proceder de vida dos indivíduos. Faz parte do grande épico Mahabharata, que data do século IV a.C. Dentro desse texto encontramos:

“Sattva, iluminação; Rajas, atividade e Tamas, passividade – são os três poderes que nascem da Natureza e prendem o espírito infinito a este mundo finito.

Desses três, Sattva, por ser puro e luminoso, possui o som de dar alegria e beatitude à alma livre de pecado e fascinada pela verdade. Rajas, porém, a paixão que cria cobiça, empolga a alma pelo apego às obras. Tamas nasce da ignorância e é a causa da auto-ilusão em todas as coisas – um nada que domina o mundo inteiro e liga a alma pela inércia da passividade.”

Mas é bom sempre lembrar do alerta do Buda:

“A fonte do apego é a origem de todo sofrimento, Seja ele interno ou externo, mundano ou sagrado. E a causa é sempre a mesma: o Ego.”

Segundo o Dr. David Frawley (Pandit Vamadeva Shastri), o Ayurveda fornece uma linguagem especial para a compreensão destas, que ele chama de forças primordiais da natureza. Por serem os poderes principais da Inteligência Cósmica, podemos associá-los como um tripé de forças que equilibra toda a criação. O mesmo é visto em várias filosofias, incluindo a própria Cabala e a sua representação da árvore da Vida e os seus três pilares.

Para David Frawley os gunas são encontrados em todos os objetos do universo em diversas combinações. Isso viria ao encontro do princípio da Ayurveda conhecido também como Doshas, onde tudo que há no Universo é composto dos três Doshas (esses compostos dos cinco elementos) e que cada objeto teria uma proporção diferente dos três doshas. Não sei se o autor considera as duas teorias como similares, mas encontramos essa aproximação.

Sattva adere à felicidade, Rajas à ação, enquanto Tamas, verdadeiramente encobrindo o conhecimento, adere à negligência.” BHAGAVAD-GITA (14:9).

Apesar de podermos considerar os aspectos mentais como fixos, também podemos considerá-los como mutáveis dentro de um espectro da vida do indivíduo.

Durante o dia, vivenciamos os três aspectos mentais em diversas situações. Podemos ter atitudes consideradas satívicas, mas ainda assim na seqüência ter um comportamento tamásico. Isso reforça o pensamento de que ainda não estamos estabelecidos em um guna elevado específico, pois estamos presos ainda a roda das reencarnações e as vicissitudes da vida.

O ideal é que esse equilíbrio entre os três aspectos mentais seja observado, para evitarmos tender – se formos já tamásicos – para atitudes ainda mais embotadas e grosseiras. Quando observamos certos comportamos podemos, então, a partir daí modificar-nos em nossa estrutura interna.

A Ayurveda e várias outras filosofias orientais, proporcionam-nos essa oportunidade para o auto-aperfeiçoamento. Modificando nossos padrões de comportamento, acabamos modificando também nosso mundo particular, por conseqüência o mundo ao nosso redor também é alterado.

Conhecer-se é um caminho para a libertação, porém nem sempre fácil de ser trilhado. Contudo, não estamos sozinhos e podemos contar com diversos terapeutas e instrutores para nos auxiliarem nessa jornada de libertação.

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