Quem acompanha o nosso grupo Espiritualidade em Estudo¹ já está familiarizado com o que falamos sobre essas entidades, mas vamos também expandir esse debate aqui publicamente.

Os baianos e boiadeiros são entidades extremamente queridas dentro das fileiras de Umbanda, alguns os classificam como linhas de trabalho a parte das Sete Linhas originais, mas eu vejo-os de forma um pouco distinta. Para começar o texto deixo a seguinte afirmação:

Os baianos estão para os pretos-velhos, assim como os boiadeiros estão para os caboclos!

Dentro da estrutura que compreendo a Umbanda², temos os Pretos-Velhos dentro da primeira linha de Oxalá, na tutela da falange de São Benedito. Para ilustrar deixo o seguinte exposto.

  1. Linha de Oxalá – Fé: Regente Jesus Cristo 1.7 – Falange de São Benedito 1.7.1 – Legião dos Pretos-Velhos 1.7.1.1 – Povo da Costa 1.7.1.2 – Povo de Congo 1.7.1.3 – Povo de Angola 1.7.1.4 – Povo de Benguela 1.7.1.5 – Povo de Moçambique 1.7.1.6 – Povo de Luanda 1.7.1.7 – Povo de Guiné

Essa organização é apenas uma ilustração para facilitar nossa compreensão do tema. Os povos que compõe os Pretos-Velhos (com exceção do povo de Quenguelê, que se encontra na linha de Xangô). Conhecemos bem, no dia-a-dia de terreiro os povos de Congo, de Angola, de Arruda, etc. Eles até mesmo trazem em seus nomes o povo a quem pertencem, por exemplo, Pai Francisco da Guiné, Pai Benedito de Angola, Vovô Chico do Congo e por aí vai. Mas raramente vemos algum preto-velho colocar o sufixo “da Costa”.

Aliando isso ao entendimento trazido para mim através de algumas leituras acadêmica – principalmente o livro Encantaria Brasileira – sobre Tambor-de-Mina, Encantaria e outras religiões mais antigas do norte e nordeste brasileiro, pude perceber a presença de baianos, mas como caboclos da baía. Isso mesmo, sem a letra H. Aliando isso ao fato de que alguns baianos que eu já havia conversado dizerem que não eram propriamente do estado da Bahia, tive um insight e fui buscar em livros antigos de Umbanda e na conversa dentro do terreiro mais informações. Inclusive o próprio Baiano Severino, que trabalha comigo, se diz natural de Pernambuco.

Segundo o dicionário:

Baía (substantivo feminino)

  1. fisgr num trecho do litoral, qualquer recôncavo em que se possa aportar.

  2. p.ext. fisgr B lagoa em comunicação com um rio através de um canal.

Com isso podemos entender que na verdade os Baianos, não querem dizer serem da Bahia de Todos os Santos, mas de regiões de baía, ou litorâneas com portos, seja para o oceano ou para rios.  Ainda pegando o que várias dessas entidades dizem, serem sacerdotes ou iniciados em cultos africanos ou afro-brasileiros, alguns até mesmo dizendo ter uma ancestralidade africana ou mestiça (branco e negro), podemos conceber que são figuras que ficam próximos a baías e que tem origem (ancestralidade) africana. Então seriam Pretos-Velhos mais jovens, os famosos tios e tias que aparecem nos terreiros, esses os baianos. Eu os vejo com grande força e atuando cruzado com todos os orixás, mas principalmente com Santa Bárbara ou Iansã, pela característica movimentadora e de impulso que dão para a vida das pessoas. Aqui não abordaremos os Cangaceiros, que espero poder escrever em um artigo particular.

Com esse mesmo raciocínio, temos então os boiadeiros, porém ao invés de mestiços entre negros e brancos, seriam o resultado da miscigenação entre o índio e o branco, seriam os verdadeiros caboclos. Vemos isso claramente quando do começo da manifestação dos boiadeiros que vinham como Caboclos Boiadeiros ou Caboclos de Couro. Seriam os caboclos mais próximos do branco, que aprenderam com a cultura europeia a se formar no Brasil, dentro das fazendas e tocando a boiada.

Para alguns os boiadeiros são caboclos puros, para outros são caboclos mestiços e para outros ainda são uma linha totalmente a parte. Alguns os relacionam a Ogum ou Oyá (Iansã), eu consigo os ver trabalhando também para essas energias, mas também para Oxóssi e até mesmo Xangô.

Ainda é atribuído aos boiadeiros o domínio aos eguns. Seriam eles que tocariam a boiada de espíritos perdidos ou almas penadas para seus locais de necessidade e merecimento. Através de laços energéticos ou magnéticos, aprisionam esses espíritos em desequilíbrio – muitos até em um estado de catatonia completa ou sonambulismo – e os encaminham aos campos da natureza que podem encontrar ajuda. Eu vejo que tudo que um caboclo faz um boiadeiro também pode fazer. Então por isso da minha afirmação no começo de que os baianos e os boiadeiros compartilham de atributos que os fazem serem queridos e são diretamente ligados aos dois pilares da Umbanda: Pretos-Velhos e Caboclos.

Dentro do ritual da Casa de Caridade Nossa Senhora Aparecida, eles são tidos como o povo da alegria e possuem uma saudação em comum: Jetruá Baiano! Jetruá Boiadeiro!

Um fato comum é associar boiadeiro e baiano com as linhas da esquerda. Dizem que “baiano anda com um pé cá e outro lá” e que boiadeiro é o primeiro passo para o espírito que deixou de ser Exu. Apesar de já ouvir essas histórias para ambos, não concordo completamente. Eu vejo que os boiadeiros podem ser sim exus que passaram para a direita, mas não imediatamente na mesma existência astral, sem haver uma encarnação separando as duas manifestações. Também não vejo como todos os boiadeiros podem ser exus, existem boiadeiros que diferem completamente de exus e são extremamente evoluídos moralmente, mas não completamente no campo intelectual.

Quanto aos baianos, realmente eles tem esse intercâmbio com a esquerda, mas por serem espíritos ainda mais próximos de nós, porém não tão próximos quanto os Exus, em questões vibratórias. Mas o baiano não é de esquerda, apenas trabalha mais próximo da esquerda e dos guias de esquerda. Talvez até mesmo pelo passado de vários deles terem sido de pessoas violentas que ascenderam a uma condição melhor.

Mas seja como for, são duas linhas queridas e que eu tenho um apreço tremendo. Deixem seus comentário nesse artigo com críticas, sugestões e ponderações. Saravá toda a linha de Baianos! Saravá a toda linha de Boiadeiros!


¹ O grupo é focado no estudo sério e sem melindres, onde tocamos em assuntos muitas vezes polêmicos e conflitantes. Não permitimos que os tópicos abordados lá dentro sejam compartilhados publicamente, pois perder-se-ia o contexto e haveria má-interpretação. Caso queira participar do mesmo, procure um dos administradores do Perdido em Pensamentos e seja fiel em cumprir as regras.

² Eu tenho um estudo em desenvolvimento sobre isso, que não quer ser a palavra final, mas é apenas o jeito que trabalho a Umbanda e que para mim tem sido bem compreensivo.

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