Já explorei esse assunto em outro artigo intitulado: A Umbanda e a Minha Umbanda. Contudo, recebo várias mensagens me perguntando sobre fatores de divergência com as Umbandas mais populares do momento.  Vou tentar explicar aqui como é a Umbanda que eu pratico.

A casa em que estou inserido se chama Casa de Caridade Nossa Senhora Aparecida, antigo Terreiro de Umbanda Mamãe Oxum. Seu nome foi mudado após consulta aos guias da casa, que determinaram essa modificação. Fora fundada pelo padrinho Nelson Rodrigues em meados de 1957, trazendo uma Umbanda mais pé-no-chão e tradicional.

Nessa época a literatura umbandista era restrita aos autores velhos de terreiro. Lourenço Braga, Leal de Souza e Emanuel Zespo. O famigerado Aluízio Fontanelle só iria escrever sua obra nos anos de 1950. Não existia ainda literatura sobre a Umbanda Esotérica de W.W. da Matta e Silva e a Umbanda Sagrada nem sonhava em existir. Então veja, que é um terreiro totalmente focado na prática de Umbanda tradicional e nos ensinamentos de seus guias-chefes.

Nesta casa, se preza pela caridade gratuita e pela simplicidade. Vou pontuar os elementos em tópicos:

Desenvolvimento Mediúnico (desenvolvimento, batismo, confirmação)

Na Umbanda moderna (neo-Umbanda) é comum entrar em um curso chamado: “Desenvolvimento Mediúnico”, e a partir daí começar a exercitar sua mediunidade. Não há qualquer tipo de ponderação prévia se o postulante é realmente um médium de Umbanda ou quais são suas faculdades mediúnicas. Em nossa casa o processo é feito de forma diferente. Todos podem entrar e fazer parte da Gira, por duas vias: Sendo convidado pelas entidades ou se voluntariando. Porém, em ambos casos sempre entramos como Cambones (auxiliares dos médiuns, algo que também tem sumido na neo-umbanda). Dentro das giras de atendimento é que se vai tomar conhecimento da sensibilidade, dos dons mediúnicos e se o postulante é um médium de atendimento para a Umbanda. Sempre sendo acompanhado pelos guias-chefes da casa e pelos guias-de-confiança dos dirigentes.

Há também as Giras fechadas só para médiuns, que incluem reuniões de estudo teórico sobre temas espiritualistas e também as giras de desenvolvimento. Giras, nas quais o postulante a médium irá entrar em contato com as energias sutis de seus mentores, permitindo suas aproximações e também começando a ter conhecimento de suas presenças e de como vibram. Como dá pra perceber, nem todos “recebem”  uma entidade, pois não faz parte dos seus dons. Contudo, isso em nada inviabiliza o seu trabalho dentro da Umbanda, como Cambone, Curimbeiro e afins. Tampouco, o desclassifica ou o invalidada como médium, caso sua mediunidade não seja incorporativa, mas  uma outra qualquer.

Dentro dos muitos rituais há sempre os batismos nas matas, em trabalhos para Mãe Oxum, a padroeira de nosso terreiro. Onde os médiuns são apresentados e batizados, perante as forças dos campos naturais: Pedreiras de Xangô e Iansã, Águas de Oxum, Mata de Oxóssi, os Caminhos de Ogum, os Campos e a Fé de Oxalá e afins. Seja você cambone, curimbeiro ou médium, todos passam pelo mesmo ritual.

Supondo que um médium manifeste um guia, esse geralmente é seu chefe-de-coroa. Sendo ele ou um Caboclo ou um Preto-Velho. Eu particularmente nunca vi um outro guia tomar a frente da coroa do filho, mas sei que é possível, porém raro! Esse guia com a permissão do guia-chefe-do-terreiro irá começar o seu treinamento, em um ponto (local onde o médium fica posicionado), ele começará a primeiro harmonizar com seu “cavalo” e conversar com o cambone durante alguns trabalhos (não estabelecido a quantidade) e depois poderá ter permissão para dar “passes” nos consulentes, sem fazer uma consulta propriamente dita. Só após a liberação do guia-chefe é que as consultas começam.

Há ainda o ritual de confirmação da coroa mediúnica, onde se faz a lavagem de cabeça (amaci) e a deitada, para permitir que o chefe-de-coroa se manifeste perante os guias-chefes-do-terreiro para confirmar tanto seu nome, quanto as forças que o regem, para quem ele trabalha, qual sua linha e riscar o seu ponto. Isso é tudo registrado nos livros de memória da casa, e sempre passa pela confirmação do guia-chefe. Inclusive é o chefe-da-coroa quem diz quem são os pais de cabeça do médium, ou padrinhos como alguns dizem. Se o guia e o médium passam por todos os testes, ele finalmente é confirmado. Dos rituais que participei, lembro-me de três pessoas confirmadas. Isso não quer dizer que os outros médiuns estão mistificando, são menos “poderosos” ou suas entidades mentirosas. Apenas indica que a parceria médium/entidade não está ainda 100% estabelecida, precisando de mais tempo para tal.

Linhas de Trabalho

Nossos giras não são temáticas, ou seja, não há gira só de caboclo, gira só de preto-velho, etc. Contudo, geralmente os guias seguem uma linha que é a da incorporação do Dirigente da Casa. Por exemplo: se o chefe da casa “recebe” um caboclo, a maioria dos médiuns também acabam incorporando um caboclo, contudo sempre vêm um ou outro baiano e alguns pretos-velhos. Sem falar de outras linhas que não são tão comuns, como marinheiros, boiadeiros e crianças. Essa “mistura” é permitida pela direção da casa e é explicada com a seguinte metáfora: “Em um  hospital sempre há o clínico geral e os especialistas, alguns desses que fogem a regra, são os especialistas em determinado caso que deverá ocorrer na Casa”.

Não há bagunça ou falta de respeito, por não haver uma conformidade sobre a manifestação dos espíritos. Contudo algumas coisas são vetadas, conforme explicarei no tópico restrições.

As linhas de trabalho usualmente são as de Caboclo, Pretos-Velhos, Crianças, Baianos, Sereias, Caboclos/as da Areia, Falangeiros de Ogum, etc. Não é comum um médium receber vários guias em uma só gira. Além disto, também não ocorre do médium ser forçado a receber determinada linha de trabalho. Eu mesmo, nunca incorporei um boiadeiro e nem sequer tive notícias de um na minha coroa mediúnica, então mesmo que chamassem um – como já ocorreu em gira de desenvolvimento – eu permaneci do mesmo jeito, sem incorporar.

As linhas de esquerda, Exus e Pombagiras, tem um ritual a parte. Apesar de serem sempre saudados nos inícios dos trabalhos, eles tem seus dias de gira exclusivos, devido a diferença vibratória e também o tipo de trabalho que precisam executar. Nesses dias as giras são fechadas só para médiuns e convidados.

Quanto a que Orixás cultuamos? Cultuamos os Orixás Oxalá, Oxum, Ogum, Xangô, Nanã Burukê, Omulu, Oxóssi, Ibejis, Iemanjá e Iansã. Também saudamos Oxumaré e Ossaim. Mas sincretizamos todos com os santos católicos. O sincretismo e a presença cristã é muito forte em nosso terreiro, assim como a fé na força dos santos.

Atendimento

Os atendimentos são feitos de forma aleatória mediante a senha, não se escolhe com o guia que irá passar. Nesse caso confiamos a Providência Divina, para que encaminhe o consulente para o guia que melhor irá tratar seu caso. Isso tanto do ponto positivo, quanto negativo. Os atendimentos são feitos sempre com a companhia de um Cambone, e toda a recomendação que a Entidade passa é anotada no caderno do médium. Se o Caboclo receitou determinada beberagem, lá estará registrado no caderno. Se ele indicou uma mironga, lá estará. Isso é para manter o registro e o controle e evitar certos “achismos”.

O cambone sempre recepciona o consulente e o direciona até o ponto de atendimento. Lá a entidade administra os passes energéticos e faz seu “conversador” com o consulente. Nenhum atendimento é cobrado, nem sequer o material que é usado para fazer as mirongas. Como disse anteriormente, pauta-se sempre pela simplicidade e humildade. Logo, não se pedem oferendas gigantes (aliás raramente isso é pedido) ou faz-se manifestações mirabolantes, simplesmente para agradar os olhos. Como diz o baiano que me ampara: “A verdade reside na simplicidade!”.

Direção Social e Espiritual (hierarquia)

Há uma estrutura hierárquica formal dentro de nossa Casa, que é dividida em duas diretorias: Diretoria Social e Diretoria Espiritual.

A diretoria social é a responsável por manter a casa em sua parte material, executando eventos, fazendo as obras de infra-estrutura, criando dias e horários propícios para aulas, workshops e palestras. Além de muitas outras coisas. Tudo aquilo que não se refere diretamente com a espiritualidade, é tocado pela direção social. O quadro social é composto de Presidente, Vice-Presidente, dois Tesoureiros e dois Secretários. Ainda contamos com um conselho fiscal e as comissões de eventos. Pode haver votação ou indicação da direção espiritual para a ocupação dos cargos, podendo ser substituída a qualquer momento sem a necessidade de uma ordem formal do plano espiritual.

A diretoria espiritual já é distinta, a ela são reservadas as autoridades sobre os trabalhos espirituais, as giras, os desenvolvimentos, as giras grandes (giras de esquerda) e trabalhos externos nas matas e na praia. Atualmente contamos com três dirigentes principais, que foram escolhidos pela espiritualidade para tal. Também o são os guias que lhe acompanham, seus mentores são os guias-chefes do terreiro. Em nossa casa se faz saber os guias-chefes são Caboclo Caçador, Cabocla Iaraí (Flor-Cheirosa) e Cabocla Caiçara. Existe ainda também a figura dos braços-direitos, ajudantes dos chefes ou, como é mais conhecido, pais e mães pequenos. Atualmente contamos com um par (um homem e uma mulher) nesse cargo, que foram escolhidos pela espiritualidade (pelos guias-chefes) para fazê-lo.

A diretoria espiritual é a suprema na Casa, abaixo dela há a direção social. Fundada pelo padrinho Nelson Rodrigues, hoje a Casa encontra-se sob comando de seus filhos. Estabelecendo a continuidade do trabalho caritativo.

Restrições 

Em nossos rituais existem certas restrições, que citarei abaixo:

  • Não utilizamos bebidas alcoólicas de espécie alguma. Nem de forma ingerida e nem a presença é aceita.
  • Não utilizamos velas pretas.
  • Não utilizamos oferendas e entregas.
  • Não fazemos nada que inclua sacrifício animal.
  • Não utilizamos do elemento SANGUE animal.
  • Não se manifestam Exus para consulta nos dias de trabalho comum. (podem se manifestar de forma sutil para executar seu trabalho, mas não para conversar).
  • Não há camarinha.
  • Não há feitura para orixá
  • Não há chamada forçada para entidades e orixás.
  • Não há incorporação de Orixá.

Apesar de ser diferente do que geralmente se encontra por aí, nossa Umbanda é muito linda, muito encantadora e nos traz muita paz e amor. Espero que tenha dado para conhecer melhor o que ocorre na Umbanda mais tradicional que pratico e caso queira conhecer melhor, nossa Casa sempre estará de portas abertas àqueles que tiverem em seu coração a necessidade da Caridade nos ensinamentos do mestre Jesus.

Sarava a Umbanda! Saravá aos chefes de nosso Congá! Saravá Mamãe Oxum! Que sua casa fique de pé por muitos e muitos anos.


Veja o livro >> Conhecendo a Umbanda: Dentro do Terreiro, foi escrito com base na estrutura litúrgica da Casa em que trabalho, assim como estudo e recomendação dos meus próprios mentores. Focado para leigos e iniciantes, mas também é interessante para pessoas curiosas sobre Umbandas mais tradicionais. Toda sua renda é revertida pras obras da Casa de Caridade Nossa Senhora Aparecida.

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