Sabe uma coisa que irrita? Aquela história de jogar a sujeira para baixo do tapete dizendo que “Macumbeiro é quem toca Macumba, um instrumento musical”. Isso vindo de leigos já é alvitante, imagina vindo de pessoas que praticam a Umbanda e outras práticas espiritualistas? Isso é uma desonra completa.

Pode parecer que estou sendo prosaico ao não defender uma postura dessas. Alguns podem até me atacar dizendo que estou colocando mais preconceito em uma seara cheia de preconceitos e discriminação. Porem, minha ideia sobre a liberdade religiosa passa longe daquela em que temos que transformar as nossas práticas em algo de “fácil digestão” para os outros.

Essa atitude gera mais preconceito ainda, pois criamos uma mentira e depois temos que lidar com as consequências. Vejam só, por causa da pouca explicação – real e sincera – do que eram práticas nativistas, muitos hoje veem essas como coisas macabras, selvagens e desprovidas de razão. Colocam um rótulo de involuídos, atrasados, antiquados e primitivos. Veja isso assistindo “King Kong” e como eles retratam um culto fictício e seus cultuadores (geralmente de pele negra ou escura – indígenas, africanos, aborígenes, etc), vivendo em uma sociedade tribal primitiva (que para eles têm sinônimo de atrasada e selvagem), cheia de fetiches, preconceitos e violência.

O que as pessoas não querem enxergar é que as práticas são mais viscerais, porém não precisam serem feitas por pessoas primitivas, pois para tudo há um porquê. Eu lendo o livro Old Style Conjure, da Starr Casas, que trata sobre Conjure (ou Hoodoo para alguns) consegui ter uma visão mais ampla de certas atitudes que muitas vezes me pareciam chocantes, como o caso de existirem diversos tipos de magia para prejudicar ou causar algum “mal” a alguém.

Para um leitor leigo ou iniciante, a princípio isso parecerá bárbaro e até mesmo errado, pois estamos nos entregando a entidades negativas e processos negativos. Mas o que me chama a atenção nesse discurso da Momma Starr Casas é que ela coloca tudo com um panorama e uma contextualização da época em que o Conjure foi criado.

Ela cita que essas práticas foram criadas pelos ancestrais (antigos africanos trazidos para o continente americano como escravos) que sofriam abusos e maus-tratos e que tinham que saber lidar com suas ferramentas a disposição, para preservarem suas vidas e também a existência de sua comunidade.

Se você contextualizar que uma magia, supostamente negativa, serve para impedir abusos de autoridade, maus-tratos e punições físicas severas, podemos amansar a visão de que isso seja errado. Quando pensamos nisso como uma contra-cultura, um sistema ou artifício que os mais humildes e desprivilegiados possuíam para se defenderem, isso se torna autodefesa e tem justificativa. Correto?

Pois bem, da mesma forma é com a Macumba e suas derivações. Queiram ou não saber, a Macumba e o Conjure (Hoodoo) tem muito em comum, pois todos possuem em suas raízes as práticas ancestrais e nativistas, tanto de origem africana, quanto de origem ameríndia.

A Macumba, sempre descrita como um instrumento musical semelhante a um reco-reco, é na realidade mais do que só um instrumento. A Macumba é um símbolo de resistência, assim como a Quimbanda e a figura de Exu, também o é.

A Macumba carioca era a ferramenta a disposição dos desvalidos e desprovidos, que moravam nos morros cariocas, para obterem principalmente proteção e saúde para os indivíduos e a comunidade. Por meio de rituais mágicos, usando de oferendas, firmezas, feitiços (mirongas), rezas, cânticos, pontos riscados e afins, eles exerciam um domínio mágico sobre a comunidade, trazendo segurança e principalmente esperança para todos.

Então, existia sim um sistema mágico, proto-religioso, que se chama Macumba e seus praticantes eram, de fato, macumbeiros. O que implica que esse sistema mágico nem sempre era ético ou estava de acordo com as regras cristãs de dar a outra face e de não promover práticas, denominadas erroneamente, de malignas.

Porém, hoje insistimos nessa história de “beatificar” a Macumba, como algo bom e sutil. Tentamos catequizar os macumbeiros, assim como fizeram os jesuítas com os nativos quando pisaram no continente americano. A colonização continua na mente das pessoas e elas não conseguem se despir dos mitos. Alguns mitos inclusive a práticas e posturas negativas da própria cristandade.

Essa postura de afirmar a história do “instrumento musical” é de uma preguiça mental tamanha, que muitas vezes eu acredito que essas pessoas que assim afirmam, nem sequer sabem o que praticam. Isso de deve ao fato da Umbanda, beber muito da matriz da Macumba e também outras práticas similares como Catimbó, Jurema, Encantaria, etc.

Então da próxima vez que alguém vier com aquele discurso piegas: “Não sou macumbeiro irmão, sou umbandista” ou “Macumba é um instrumento musical”, lembre-o de que ele está professando apenas 1% do significado da palavra.

Macumba pode ser um instrumento, uma árvore, uma madeira, um feitiço, uma mironga, mas também pode ser uma magia, um sistema mágico e uma religião ou culto ancestral. Quando as coisas são claras, a defesa se torna mais fácil, pois a pior coisa que tem na defesa de algo é refutar argumentações pautadas em bom-senso.

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