Apesar do título, o benzimento não é de fato brasileiro, mas foi apropriado por nós devido a nossas questões culturais. Assim como o futebol, que fora inventado pelos ingleses, mas tomou um corpo e uma dinâmica totalmente diferente em terras tupiniquins, o benzimento surgiu como um conjunto herdado de superstições e de cura popular, das diversas culturas que formataram o povo brasileiro.

O Europeu teve muita contribuição nesse aspecto – apesar do despeito que temos pela herança europeia em terras brasileiras, sendo que muitas vezes julgamo-los os detratores e a epítome de todo mal – pois era prática comum “rezar” para aqueles que estavam precisando, além da cultura pré-cristã, no encontro com os detentores da magia popular. Claro que, como tudo no Brasil, muito se fez quanto a inclusão de diversas culturas, como por exemplo a cultura indígena-nativa que contribuiu com as técnicas da pajelança e do conhecimento das ervas locais e  da cultura africana, por meio das diversas etnias, que desembarcaram nos portos, por meio da vexatória escravidão.

De certa forma, o benzimento se tornou então algo muito arraigado nas comunidades interioranas e mais simples, que não tinham acesso ao médico tradicional ou ainda eram eivadas pela superstição e medo autoimposto pelas forças de poder do local, seja a Igreja, os Políticos ou Coronéis. O Benzimento se tornou então o escape para a cura, para as mazelas e para a proteção dos indivíduos mais simples que eram relegados a sua própria sorte.

Infelizmente, esse tipo de cultura tem se perdido nos tempos contemporâneos, muito devido ao avanço da medicina, da tecnologia e da incredulidade com os meios tradicionais de cura. Vemos todas essas técnicas sendo consideradas como superstições e atavismos, contudo isso não se dá só por aquilo que é partilhado pelos mais “simples”, pois vemos isso também em técnicas naturais de cura, como a medicina chinesa e a medicina indiana que é muito criticada pelos médicos, que taxam tudo de “efeito placebo”.

Porém, concomitantemente, quando ocorre um destrato de algo culturalmente enraizado, há aqueles que procuram resgatar essa cultura e esse meio de vida antigo e tradicional. Existem diversos movimentos hoje, alguns muito tímidos ainda, que procuram restabelecer o conhecimento e o ensino sobre folclore, sobre nativismo indígena, sobre medicina popular brasileira e inclusive sobre benzimentos.

O grande problema desses movimentos é que eles também atraem pessoas mal-intencionadas e algumas completamente desorientadas do que realmente é aquela cultura ou prática. Deturpam completamente a cultura e a técnica, revestido do manto das boas intenções, misturando coisas que não existem ou que não faziam parte originalmente desse tipo de prática. Não que não possamos incluir novos conhecimentos e técnicas em práticas tradicionais, isso ocorre e sempre ocorreu, porém se tornam outra coisa. O difícil mesmo – e até criminoso – é dizer que esse tipo de prática agora modernizado é exatamente um resgate ao conhecimento ancestral de outrora. Não é! É uma reinterpretação da prática e da cultura a olhos modernos. Desde que isso fique evidente e claro, não há problemas.

Por que estou dizendo isso? Pois bem, aí entramos no real motivo desse artigo. O portal UOL Notícias em seu caderno Cotidiano, publicou o seguinte artigo: Reconhecidas por lei, benzedeiras modernas resgatam tradição e atendem pelo celular…

O artigo reporta sobre as benzedeiras modernas que resgatam a tradição do benzimento e promovem encontros, geralmente gratuitos, para difundir essa prática e mantê-la viva. Isso seria ótimo e é uma das bandeiras que eu também levanto, tanto é que escrevi conjuntamente ao Rodrigo Klukiewicz o BREVIÁRIO DE BENZEDURAS E ORAÇÕES – VOL 1. Porém, quando você começa a ler o texto, com olhos de conhecedor de causa, começa a se chocar com certas “VERDADES” defendidas por esse grupo, a primeira delas é que o benzimento é uma prática majoritariamente de mulheres! Ainda atrelam isso ao sagrado feminino e a recuperação desse conhecimento e respeito pelo feminino.

Claro, eu sou um homem e isso pode parecer estranho, até alguns irão me acusar de misoginia, porém de fato não posso defender esse ponto de vista. O benzimento pode ser mais praticado por mulheres HOJE, mas nem sempre foi assim, tanto é, que meu primeiro contato com o benzimento se deu por meio de um Benzedor, Sr. Joaquim. Depois mais crescido (ainda criança) em uma festa tradicional do interior do estado de São Paulo em homenagem a São Gonçalo, pude testemunhar homens benzendo as pessoas, durante a festa, com a cantoria e com a dança. Isso também é benzimento.

Isso se eu ainda não levar em consideração todos os raizeiros, piranheiros, pajés, xamãs e benzedores que existem no Brasil a fora. A questão é que a mulher acabou tomando essa função pela “imposição” masculina de que elas só podiam ficar em casa, cuidar da família e etc. Então como estavam mais próximas das crianças, as quais são as grandes beneficiarias do benzimento na maioria das vezes, elas exerciam mais essa função, enquanto o homem ia para a roça. Além disso, havia também a função maravilhosa de parteira, que se misturava com a benzedeira, pois o parto acabava sendo um momento muito delicado, realmente de vida e morte para mãe e bebê a nascer. Então elas se utilizavam da reza e do benzimento para que a criança nascesse com segurança e a mãe ficasse com saúde. Porém, lembra o homem que estava lá na roça? A primeira coisa que ele fazia era benzer o facão, colocar no perímetro da roça para afastar as cobras. Ele também estava praticando benzimento. Então com isso fica claro que já caiu um mito, que o benzimento só pode ser praticado ou é praticado por mulheres e que isso remete ao sagrado feminino.

Outra coisa que me chamou a atenção é a “gratuidade dos benzimentos”. Isso é uma praxe no meio dos benzedores, porém não é totalmente gratuito. O que se diz é que o benzedor não deve COBRAR, mas deve ser recompensado de alguma forma. Quando falamos do povo rural, isso se dava por permutas. O benzedor e a benzedeira faziam uma cura ou desviravam o “buxo” de uma criança e então os pais davam ovos, galinha, leite, hortaliças, etc, que produziam para aquela benzedeira ou benzedor. Nos dias atuais, as trocas foram substituídas com dinheiro, logo se você for se benzer, o benzedor ou a benzedeira, não irá te cobrar. Mas isso não quer dizer que você não deva pagar algo para ele, pois ele está doando do seu tempo e da sua energia para te ajudar. Isso se chama gratidão e reciprocidade.

Outra questão séria a se tratar é a inclusão de práticas antagônicas como o uso do chá de Ayahuasca nas práticas de benzimento ou pelo benzedor para se conectar melhor com o divino. Benzimento é uma atitude de caridade e de amor, de doação, mas também é de magia. Existem forças sendo manipuladas, mesmo que o operador do benzimento desconheça ou não acredite nisso, para mudar o padrão energético do benzido. Misturar isso com “drogas”, “medicamentos” e até mesmo enteógenos, não é correto e pode ser até mesmo perigoso.

Essa procura por “soluções naturais” que são taxadas de seguras só porque são naturais é extremamente perigosa, inclusive tenho um vídeo que fala exatamente sobre isso: É natural! Não faz mal? Da mesma forma essa procura pelo sagrado feminino, como sendo a mulher a conexão última da natureza com o ser humano é preocupante, pois desconsidera 50% da população mundial, que é composta por homens. Os homens então seriam seres antinaturais? O que falta é a compreensão dos opostos, que são complementares, como nos diz as medicinas orientas, como a medicina chinesa. Essa busca pelo exclusivismo em detrimento das “outras verdades” é o que acarreta tanta desinformação no mundo e condenam técnicas que são extremamente interessantes.

Ainda, dentro do artigo, o que devemos relatar também são os atendimentos a distância. A modernidade chegou a ponto de atendimento ser feito por vídeo-chamada do Whatsapp. Até aí sem problemas, já fazíamos isso há séculos, por meio da magia simpática e da telemagia. O benzimento, como uma magia popular brasileira, também se utilizava de roupas, fotos, nomes e outros “testemunhos” da pessoa, que continha sua assinatura biológica e energética, para promover mudanças a distância. O que não podemos aceitar é que isso seja feito de frente para um computador e um celular que são fontes poluidoras com alto magnetismo e acreditar que é por ver a pessoa no celular que o benzimento funcionou. Não é! Foi porque você estava com a imagem da pessoa na mente e assim sua energia pessoal conseguiu chegar até ela, ou seja, você pode fazer isso com uma foto que não possui radiação eletromagnética para atrapalhar o processo. Há de ter cuidado com a modernidade!

Por fim, o benzimento pode ser aprendido sim, sem ser necessária uma iniciação por alguém já conhecedor, pois o benzimento é um presente de Deus para aqueles que querem ajudar ao próximo, então você pode aprender com um tutor, com um curso e até mesmo com um livro. Não precisa ser o escolhido e nem ter nascido sob a estrela do benzimento, basta que você se disponha a ser um curador. Dito isso, espero que todos mantenham a tradição do benzimento viva, mas que também usem do seu discernimento para não cair em armadilhas.

Em nome de Deus, do Espírito Santo, de Jesus Cristo e da Virgem Santíssima, te cruzo e abençôo, tirando o carrego, praga e maldição, levando para longe e te dando a unção, para que sejas feliz no seu coração. Sinal da cruz por três vezes, amém!

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