Compreender o suicídio é algo extremamente complexo, nem mesmo os psicólogos conseguem chegar a um fechamento sobre esse assunto. Por envolver questões muito complexas, tanto culturais, quanto pessoais, acaba-se por não saber exatamente quais são os mecanismos pelos quais uma pessoa tenta cometer suicídio.

Pesquisas demonstram que a cada suicídio bem sucedido, existem pelo menos mais três tentativas que não foram bem sucedidas e que esse tipo de atitude acomete principalmente adolescentes entre 15 a 21 anos e em alguns casos estende-se dos 20 até os 27 anos, além de ser presente também já após os 60 anos de idade. A maioria dos casos, majoritariamente envolve pessoas do sexo masculino e não há uma relação clara com condição social das vítimas de suicídio.

Conceitos Psicológicos e Emocionais, no assunto Suicídio:

Há muito tempo que já não se afirma que os suicídios sejam causados por transtornos e desordens mentais, apesar de muitas vítimas apresentarem alguns desequilíbrios emocionais, porém não se sabe ainda a relação entre a tentativa de suicídio e a questão emocional em si. Alguns casos chegam a apresentar uma divergência e variação total na motivação e outras se tornam tão obscuras que nos chocamos, ao nos deparar com um jovem com toda uma vida pela frente, tendo a mesma interrompida sem motivação aparente.

Segundo Hillman, existem diversos aspectos sombrios que envolvem o suicídio, tais como: agressividade, vingança, chantagem emocional, sadomasoquismo, ódio-ao-corpo, etc. Tais pistas levam a crer em uma disposição interior, de um arquétipo ou personagem, que se porta como um “assassino interior” 1. Também se encontra uma guerra entre o desejo interior e a projeção exterior, principalmente nos jovens, que são muitas vezes vistos como adultos e crianças ao mesmo tempo, causando um estranhamento e uma não-pertença a nenhum dos mundos, nem o mundo infantil e nem o mundo adulto. Vemos muitos pais preocupados com as mazelas do dia-a-dia de nossa moderna sociedade, impedindo que os filhos cresçam, prolongando a sua estadia na adolescência. Hoje em dia não é exagero afirmar que podemos encontrar adolescentes de 30, 40 e até mesmo 50 anos de idade, que ainda dependem dos pais e não constituem uma vida adulta independente.

Essa dicotomia e falta de localização, acaba estimulando a negação de identidade e também ao prejuízo da maturidade. Cria-se uma falta de “amor a vida” que é um termo de falsa compreensão, pois muitos tem amor a suas vidas, mas entendem que não pertencem mais a local algum e não conseguem se estruturar. O dano emocional é tão intenso que acaba sendo extravasado pelo suicídio, onde podemos identificar uma simbologia para um novo renascimento, em busca de uma nova identidade.

Culturas primitivas já faziam rituais de passagem dos jovens para o mundo dos adultos, para cimentar em seus íntimos e também em meio a sua sociedade que agora aquele jovem ou aquela jovem não poderiam mais ser vistos como crianças, que agora possuíam direitos e obrigações de adultos. Essa teoria do caráter iniciático da morte e do suicídio também é defendida por David Tacey, pensador pós-junguiano que aponta causas com perspectivas espirituais, no sentido de ética, de valor pessoal e de moral construída.

Retomando o pensamento de Hillman2, devemos identificar esse personagem interior que se assemelha a um assassino interno e questionar o que ele está desejando da sua vítima (a própria pessoa), da sua família e de todo seu círculo social?

Para isso é necessário compreender as demandas da Alma para poder interpretá-las corretamente e dialogar em um nível compreensivo para ambos, interlocutor e interpelado. Devemos encarar a morte como uma entidade individual que tem vontade própria e que está pairando sobre nós a todo o momento.

Quando conseguimos criar um diálogo com essa “ideia ou conceito de morte” não permitimos que a mesma tome “formas físicas” que se apropriem da psique, permitindo assim encarar de frente certas situações que antes ficariam ocultas, mesmo que para isso usemos as perspectivas do simbolismo e da teatralidade em entender o que se quer de fato matar, o indivíduo ou algo que faz com que o indivíduo sofra?

Não há fragilidade na Alma em se assumir com tendências suicidas, pois todos estão sujeitos a isso. Não há um anúncio ou doença pré-existente que nos transforma em suicidas. Existem apenas questões complexas que envolvem todas as esferas de relacionamento humano, seja ela pessoal, material, espiritual, emocional, psíquica e outras mais.

Devemos também ficar atentos às práticas modernas e as delícias de uma vida mais livre que se propõe a nossa sociedade, onde se confunde a liberdade com a prática de todos os tipos de atividades, mesmo as autodestrutivas em defesa do “EU POSSO, SOU LIVRE”.

Muitos dos jovens que apresentam tendências suicidas acabam manifestando transtornos de ansiedade ou depressão, porém conforme Santina Rodrigues de Oliveira, são manifestações típicas em frente aos desafios da idade e os desafios que a sociedade os impõe: relacionamentos, uso de drogas, maioridade, mudança do corpo, aprovação no vestibular, etc.

Conforme diz Santina Rodrigues de Oliveira:

“Nesse sentido, é como se os jovens estivessem simbolicamente às voltas com os desafios da Psique: Desejam ardentemente encontrar algo divino, que pudesse magicamente esvaziar o intenso sofrimento pela perda de sentidos experimentada em suas vidas naquele momento. Não têm forças para sustentar o desafio de descobrir a si mesmos em meio ao desejo, às aspirações e às expectativas do outro. O outro – representado pelo pai, pela mãe, pelo(a) namorado(a) – é o grande destinatário dos apelos de amor, ódio e esperança que aparecem em cada uma das atuações que os aproximavam da morte.”

Apesar de todo o exposto aqui, não há uma conclusão só para a ideação de suicídio. Tanto os Junguianos, quanto os behavioristas não conseguem fechar o assunto, mesmo em óticas diversas. Contudo fica um alerta para que possamos compreender melhor e sejamos presentes nas vidas dos nossos filhos e jovens.

A visão espírita do suicídio:

Dentro da visão Espírita, podemos encontrar no Livro dos Espíritos considerações sobre o suicídio, levando-nos a entender que isso não é um problema de agora. Muitos consideram que a imagem “pejorativa” que o suicídio tem é derivada da cultura judaico-cristã que implica na criação da Vida por Deus e que essa seria sua posse e atentar contra a mesma seria um pecado dos mais graves. Alguns terapeutas comportamentais defendem que a opção pelo suicídio, assim como pela eutanásia, deveria ser um direito de todos, assim como viver, respirar, tomar água, etc.

No Livro dos Espíritos, livro “Das Esperanças e Consolações”, Capítulo I – Penas e Gozos Terrenos, Item VI – Desgosto pela vida e suicídio, podemos encontrar algumas abordagens feitas por Kardec e as perguntas respondidas pelos Espíritos da codificação:

943. De onde vem o desgosto pela vida que se apodera de alguns  indivíduos sem motivos plausíveis?

Efeito da ociosidade, da falta de fé e geralmente da saciedade. Para aqueles que exercem as suas faculdades com um fim útil e segundo as suas  aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente; suportam as suas vicissitudes com tanto mais paciência e  resignação quanto mais agem tendo em vista a felicidade mais sólida e mais durável que os espera.

Apesar de o texto parecer árido e até mesmo contrário às proposições do texto que acabamos de expor, na verdade a linguagem do século XIX era mais direta quanto às missivas que representavam. Nesse caso, percebemos nitidamente que a falta de fé a que se referem os espíritos se trata da crença em si mesmo. O Espiritismo nos traz o conhecimento de que todo sofrimento é passageiro e é uma ferramenta para nosso aprimoramento. Quando sabemos disto, podemos encarar as coisas de formas mais compreensíveis e resignadas, aceitando, mas não se submetendo que tudo tem um por que e que em breve a felicidade se tornará sólida, quando rompermos a roda das encarnações e expiarmos nossos próprios erros.

944. O homem tem o direito de dispor da sua própria vida? Não; somente Deus tem esse direito. O suicídio voluntário é uma   transgressão dessa lei.

944. – a) O suicídio não é sempre voluntário?      O louco que se mata não sabe o que faz.

945. O que pensar do suicídio que tem por causa o desgosto da vida? Insensatos! Por que não trabalhavam? A existência não lhes teria sido tão pesada!

Nessas perguntas podemos ver claramente a questão central da existência de uma posse da Vida por Deus. As pessoas que acabam cometendo um suicídio de forma desmedida e impensada, proveniente de seus desequilíbrios mentais e emocionais, acaba não sendo culpado pela mesma, pois estava acometido de grande enfermidade da Alma. Claramente, muitos dos nossos jovens estão nessa condição atualmente, com suas visões entorpecidas pelas dores emocionais. No caso aqui, não é necessário que a pessoa seja esquizofrênica ou tenha transtornos de deficiência cognitiva grave para ser “doente”, mas sim todas as doenças que envolvem as emoções, como depressão, ansiedade, pânico e outras mais.

Outra consideração é sobre a afirmação de que quem TRABALHA não teria tempo para o suicídio. O trabalho aqui explicitado pelos espíritos é na verdade o trabalho da reforma íntima e não o labor material, para angariar o sustento da família. O trabalho que eles citam é o aprimoramento moral, intelectual e a busca pela prática da caridade.

Pois bem, o capítulo é extenso e recomendo a sua leitura na integra, desde que sejam feitas as interpretações da forma correta, ou seja, através do discernimento lógico. Você pode conferir as perguntas aqui neste link.

Creio que em tempos de supostos desafios de baleias azuis (seja uma falácia ou não) e de tentativas de afogamento e enforcamento para posterior ressuscitação, estamos todos envolvidos em compreender esse tema e auxiliar da melhor forma possível.

Escutar é o básico que se deve fazer em situações como essas, lembrando que a religiosidade pode ser tanto ferramenta para melhora quanto um gatilho para o próprio suicídio, se já houver ideação do mesmo. Tudo depende da forma como vamos encarar o mesmo. A recomendação é que se deixe de lado todo tipo de fanatismo e preconceito sobre o tema e procure ajudar em todos os campos, seja ele o espiritual, o psicológico e também o médico. A importância da vida deve ser sempre ressaltada, mas sem taxar-se como o dono da verdade suprema.


1 O suicídio e os apelos da alma: reflexões sobre o suicídio na clínica junguiana com pacientes adolescentes; Santina Rodrigues de Oliveira; Psicóloga, Mestre pelo IPUSP.

2 James Hillman é um psicólogo pós-junguiano. Encontra-se esse tema em sua obra Suicídio e Alma; Petrópolis, Vozes; 1993.

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