As mensagens espirituais são uma constante na história da humanidade, desde tempos remotos até os dias atuais, sabemos que espíritos se comunicam por meio de pessoas com capacidades sensitivas para transmitirem suas impressões do mundo espiritual, dirimir dúvidas, trazer esperança e conforto para corações machucados e em sofrimento.

As mensagens antes com caráter oracular, foram sendo substituídas pela lógica e pelo positivismo. Perdendo sua força e relegando-a a uma condição de superstição. Mas no século XIX, Allan Kardec recebe por intermédio de vários espíritos e médiuns, várias comunicações originadas do que conhecemos como o “fenômeno das mesas girantes” e posteriormente deu surgimento a uma doutrina chamada Espiritismo.

Porém, Kardec como um estudioso e cético, não aceitava de pronto aquelas comunicações. Dizia que as comunicações devem passar pelo crivo da razão e serem auferidas pela moral de Cristo, sendo que quando decidiu investigar o fenômeno, o fez para provar que havia uma explicação lógica por detrás de tudo e principalmente para provar que não eram efeitos sobrenaturais. Além disto desenvolveu um método para averiguar se as mensagens eram verídicas ou pelo menos coerentes, a esse método ele deu o nome de Controle Universal do Ensino dos Espíritos, ou simplesmente CUEE. Mas você sabe o que é exatamente esse controle?

No Evangelho Segundo o Espiritismo (Introdução, Item 2: Autoridade da Doutrina Espírita), podemos extrair algumas observações de Kardec:

“Se a doutrina espírita fosse uma concepção puramente humana, não teria como garantia senão as luzes daquele que a tivesse concebido. Ora, ninguém neste mundo poderia ter a pretensão de possuir, sozinho, a verdade absoluta. Se os Espíritos que a revelaram se houvessem manifestado a apenas um homem, nada lhe garantiria a origem, pois seria necessário crer sob palavra no que dissesse haver recebido os seus ensinos. Admitindo-se absoluta sinceridade de sua parte, poderia no máximo convencer as pessoas do seu meio, e poderia fazer sectários, mas não chegaria nunca a reunir a todos.

Deus quis que a nova revelação chegasse aos homens por um meio mais rápido e mais autêntico. Eis porque encarregou os Espíritos de a levarem de um pólo ao outro, manifestando-se por toda parte, sem dar a ninguém o privilégio exclusivo de ouvir a sua palavra. Um homem pode ser enganado e pode enganar-se a si mesmo, mas não aconteceria assim, quando milhões vêem e ouvem a mesma coisa: isto é uma garantia para cada um e para todos. Demais, pode fazer-se desaparecer um homem, mas não se faz desaparecerem as massas; podem-se queimar livros, mas não se podem queimar espíritos. Ora, queimem-se todos os livros, e a fonte da doutrina não será menos inesgotável, porque não se encontra na Terra, surge de toda parte e cada um pode captá-la. Se faltarem homens para a propagar, haverá sempre os Espíritos, que atingem a todos e que ninguém pode atingir.

Dentro do cenário espírita e até mesmo dentro do cenário Umbandista (creio eu que mais deste último) vemos uma profusão de livros, ditados, doutrinas e teologias sendo enviadas por espíritos ditos ascensionados. Aqui considero como supostamente ditos, pois não há qualquer comprovação que nos leve a crer nisto, não sendo uma falta de respeito de minha parte, até porque os Espíritos nos ensinam a duvidar e passar pela razão tudo.

Justamente passando pela razão que percebo o quão precário está nosso mercado literário espiritualista, principalmente o umbandista. Com vários autores surgindo, vemo-los em uníssono se considerarem arautos divinos de mestres magos do além. Contudo, ao observar as palavras deixadas acima pelo codificador do Espiritismo, encontramos uma grave advertência:

Se os Espíritos que a revelaram se houvessem manifestado a apenas um homem, nada lhe garantiria a origem(…)”.

Mas não é justamente isso que ocorre? Determinado médium recebe a comunicação de seu suposto mentor espiritual com a missão de levar a todos uma nova revelação. Como garantir a autenticidade da mensagem, se a mesma não passou nem pelo crivo da razão e nem pela experimentação? Ainda só fora revelada a um só médium, e como vemos em outro grifo:

Eis porque encarregou os Espíritos de a levarem de um pólo ao outro, manifestando-se por toda parte, sem dar a ninguém o privilégio exclusivo de ouvir a sua palavra.

Com esse alerta podemos começar a pensar sobre o assunto. Deus não deu a um só médium o privilégio exclusivo de ouvir a sua palavra, ou seja, todas as comunicações que ocorrem deveriam se manifestar em vários outros lugares, com médiuns diferentes, incluindo médiuns que não seguem a mesma linha de pensamento do “médium profeta da boa nova do século XXI”.

Começam a perceber o quão grave é isto? Pode ser (e coloco um grande “pode” aqui, supostamente falando) que a maioria dos livros por aí expostos são apenas criações das mentes férteis e imaginativas de seus autores, que nada tem de contato com o espiritual. Pior, pode ser que realmente seja uma comunicação espiritual, mas não exatamente de um espírito iluminado ou evoluído, pode ser um espírito mistificador ou zombeteiro se passando por um guia espiritual, logrando êxito ao explorar a credulidade do médium, sua vaidade e seu orgulho.

Para refutar a possível condição de que os livros se perpetuaram e vários escrevem sobre o mesmo hoje, deixo aqui um pensamento. Essas novas revelações só ocorreram depois que o médium dado como Profeta (reencarnação de Sócrates) começou a sua obra, logo há algo falho, pois esses muitos outros podem ter sido influenciados pela mesma paixão inferior. Contudo, se fosse realmente uma revelação do Alto, ela deveria vir conforme nos mostra o parágrafo abaixo, extraído ainda do mesmo item do Evangelho Segundo o Espiritismo:

Se houvesse um intérprete único, por mais favorecido que esse fosse, o Espiritismo estaria apenas conhecido. Esse intérprete, por sua vez, qualquer que fosse a sua categoria, provocaria a prevenção de muitos; não seria aceito por todas as nações. Os Espíritos, entretanto, comunicando-se por toda parte,  a todos os povos, a todas as seitas e a todos os partidos, são aceitos por todos. O Espiritismo não tem nacionalidade, independe de todos os cultos particulares, não é imposto por nenhuma classe social, visto que cada um pode receber instruções de seus parentes e amigos de além-túmulo. Era necessário que assim fosse, para que ele pudesse conclamar todos os homens à fraternidade, pois se não se colocasse em terreno neutro, teria mantido as dissensões, em lugar de apaziguá-las.

Reparem nos grifos feitos no texto acima reproduzido. Não importa se o intérprete (médium) fosse o mais favorecido de todos, a mensagem deveria vir de múltiplos médiuns de forma simultânea ou quase simultânea, mesmo aqueles que não fazem parte da mesma corrente ideológica. Pois se isso não existir, não cria-se coesão, apenas se afasta mais e mais os homens de uma fraternidade, mantendo as disputas e as confusões. Aliás, este é um expediente que as trevas adoram utilizar. Vestem-se de religião benéfica, com discursos bonitos, para deixar seus adeptos cada vez mais perdidos (da pior maneira) dentro das suas ideologias e idolatrias, cerceando a liberdade de pensamento de forma velada, quase como uma manipulação indireta da mente humana.

Mas não é esta única vantagem que resulta dessa posição excepcional. O Espiritismo ainda encontra nela uma poderosa garantia contra os cismas que poderiam ser suscitados, quer pela ambição de alguns, quer pelas contradições de certos Espíritos. Essas contradições são certamente um escolho, mas carregam em si mesmas o remédio ao lado do mal.

Kardec pontua sobre os erros e contradições dos Espíritos, pois ele compreendia que nem todos os espíritos podem penetrar em todos os mistérios da Criação, conforme seus graus evolutivos. Podendo assim, um espírito passar uma impressão incompleta e incorreta sobre as questões do além-vida. Por mais, ele também se utiliza disto para que o próprio médium diminua o seu efeito e suas impressões diante da comunicação mediúnica, pois ao obter de diversos médiuns de classes e pensamentos diferentes, uma mesma comunicação – em compreensão e não literalmente – ele iria saber exatamente o que era do espírito e o que não era.

Acompanhe o próximo excerto e se choque ao comparar com o que temos no nosso cenário atual:

Mas sabe-se também que os Espíritos embusteiros não têm escrúpulos para esconder-se atrás de nomes emprestados, a fim de fazerem aceitar suas utopias. Disso resulta que, para tudo o que está fora do ensino exclusivamente moral, as revelações que alguém possa obter são de caráter individual, sem autenticidade, e devem ser consideradas como opiniões pessoais deste ou daquele Espírito, sendo imprudência aceitá-las e propagá-las levianamente como verdades absolutas.

Então podemos estar dentro de um imperialismo de espíritos inescrupulosos que usaram da vaidade de médiuns para conseguirem em tempo de tão rápida propagação de mensagens criar em si um sistema totalmente divergente (talvez não tenha sido na origem essa a intenção, mas tornou-se) das noções básicas do que chamamos de Espiritismo e até mesmo do que chamamos de Umbanda.

A única garantia segura do ensino dos Espíritos está na concordância das revelações feitas espontaneamente, através de um grande número de médiuns, estranhos uns aos outros, e em diversos lugares.

Esta é a base em que nos apoiamos, para formular um princípio da doutrina. Não é por concordar ele com as nossas idéias, que o damos como verdadeiro. Não nos colocamos, absolutamente, como árbitro supremo da verdade, e não dizemos a ninguém: “Crede em tal coisa, porque nós vo-la dizemos”. Nossa opinião não é, aos nossos próprios olhos, mais do que uma opinião pessoal, que pode ser justa ou falsa, porque não somos mais infalíveis do que os outros. E não é também porque um princípio nos foi ensinado que o consideramos verdadeiro, mas porque ele recebeu a sanção da concordância.

Nesse último recorte do item Autoridade da Doutrina Espírita, do Evangelho Segundo o Espiritismo é que notamos algo que pode ser muito grave, justamente por vê-lo sendo repetido a todo momento: “Crede em tal coisa, porque nós vo-la dizemos.”, em português mais atual seria: “Vai na minha, que eu tô te dizendo!”.

Eu recomendo a leitura do item por completo, você pode encontrá-la no Evangelho Segundo o Espiritismo, clicando aqui você será levado diretamente para o capítulo a qual nos referimos.

Com isso não podemos simplesmente fechar os olhos, na ânsia de obter conhecimento fácil e sem esforço, aceitando tudo que nos chega sem determos uma investigação séria e pautada no bom-senso, na razão e na própria intuição. Não há mal algum em promulgar estudos, desde que você não coloque-os como ditados por espíritos ascensionados ou como verdades absolutas. Também não podemos dizer que somos arautos de novas revelações, pois elas não ocorrem em âmbito pessoal, mas sempre coletivo. Afinal, é para a coletividade que a espiritualidade trabalha, não é mesmo?

Malebolge de Botticelli.

Em tempo, perceberemos que esses novos profetas, criadores de insights1, criadores de novos agrupamentos celestiais, governadores de campos e de colônias celestes, grandes mestres de ordens místicas do astral, teólogos revolucionários, arautos de espíritos evoluídos que trazem revelações franciscanas a terra, etc… Está na hora de deixa a inocência de lado e se você foi presa desses lobos, reconheça para si e mude a postura. Lembre-se que no inferno existe um local (Malebolge, segundo Dante Alighieri2) que recebem os bajuladores.

Então antes de cair de cabeça em uma nova promessa de redenção ou de doar seu tempo, dinheiro e um pouco da sua alma para pessoas cheias de “glória”, passe tudo pelo escrutínio da lógica, da razão e do bom-senso. Aqui apenas arranhamos a superfície sobre o CUEE, porém acredito que já foi satisfatório para uma introdução e creio que possamos continuar essa discussão nos comentários.


1 Não compreendo isso, pois insight por definição é algo pessoal, uma inspiração ou epifania que não pode ser ensinada. 

2 Supostamente, um desses mentores que escreveram toda uma nova codificação teológica espiritualista umbandista seria a reencarnação do próprio Dante Alighieri. Será que o mesmo, conhecedor – para os ocultistas – dos círculos infernais, permitiria-se jogar a seus tutelados nas trevas inferiores? 

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