Nesse relato vou sintetizar duas visitas que fiz no mesmo local, a primeira em uma gira de Esquerda e a segunda em uma gira de caboclos. Fui levado lá por um casal de amigos, e antes de mais nada pedi a eles permissão para divulgar esse relato. A gente tem que compreender que nem tudo é bom ou nem tudo é ruim em um local, há méritos e desméritos sempre, como eu sempre reporto nos outros relatos dessa coluna.

Primeiro quero agradecer ao Felipe Lou pela vitrine (banner) desse post, assim como de diversos outros.

Vou relatar as duas giras para vocês e ver como são as coisas na esquerda e na direita do mesmo terreiro.


A convite dos amigos resolvi ir a essa gira, que se daria em uma sexta-feira. Há que se falar uma coisa sobre as visitas que faço em terreiros! Geralmente a primeira vez que vou a um terreiro novo são giras de Esquerda. Não entendo o porquê, mas suponho que seja um momento mais “claro” de ver as coisas ocorrendo de forma intensa.

Dentro das giras de esquerda se abrem espaço para várias manifestações muitas vezes estapafúrdias. Então creio que a espiritualidade me coloca em contato com essas casas para não perder tempo, indo mais de uma vez. Porém, nessa aqui eu visitei por duas vezes.

Na primeira gira, chegamos bem em cima da hora devido a um trânsito absurdo que pegamos. Entramos no local e fomos nos acomodando na assistência pequena. O local também era pequeno, logo no início tinha uma pequena lancheteria, vendendo salgados, doces, cafés e refrigerantes e mais a frente na assistência pude perceber uma parede cheia de diplomas e certificados de diversos cursos feitos pelo dirigente da casa. Achei um pouco “too much”, mas tudo bem, é um direito dele exibir o conhecimento que possuí para gerar credibilidade.

Claro que aí já tem uma certa perseguição minha para com essa vertente de umbanda que lá estava devido aos dourados capelos que usavam na cabeça. Uma profusão de filás e estolas dourados, o que me deixa bastante incomodado, pois é muito “sacerdote” para um só terreiro com tão poucos médiuns.

Vi que já estava de má-vontade, mas decidi dar o benefício da dúvida para ver como seria a manifestação da gira. Primeiramente foi feita uma breve preleção e uma das médiuns falou para com a assistência, depois chamaram Oxalá e o dirigente da casa o manifestou, de certa forma algo reconfortante, apesar de não acreditar na incorporação de orixás. Feito isso foi permitida a manifestação dos exus e pombagira, e foi então que todo meu preconceito mais claramente se manifestou. Achava aquelas manifestações muito estranhas, quase como padronizadas e ensaiadas para serem comuns umas as outras.

Fui chamado para passar com – conforme me falaram – uma das “chefes” da casa e lá estava eu enquanto o Exu me questionava algumas coisas, porém, de forma alguma senti energia nenhuma, só o cheiro do charuto sendo baforado na minha cara. Pior foi o Exu dizer que estava tudo bem no meu trabalho, o que nitidamente não estava pois enfrentava uma falência e estava sem o mesmo referido trabalho. Prova da leitura fria do médium.

Resolvi deixar para lá, pois eu consegui extrair algo de bom daí, vi uma pombagira Sete Saias se manifestar de forma diferente das demais e aquilo acalmou meu coração. Ainda me acalmou mais quando soube que haviam duas sete saias trabalhando, ou seja, uma delas estava claramente bem incorporada, já a outra, repetia os movimentos dos demais.

Fiquei até o final, para ver o encerramento da gira e todos nós fomos chamados para o meio do terreiro, fizemos uma grande roda e o dirigente incorporado do Exu-Chefe puxou um dos médiuns para o meio da roda e mandou ele incorporar o Exu dele. Foi então que vi a maior prova de manifestação anímica e de desequilíbrio de toda a minha vida, o médium tremeu e se jogou ao chão e de quatro imitando um felino, ameaçava morder a todos, ficando mexendo a cabeça de um lado para o outro em extrema confusão. Então o Exu-Chefe grita:

– Todos vocês saúdem o Exu Pantera-Negra!

Olha, se aquilo era um Pantera-Negra, temo pela falange inteira. Os Exus Pantera-Negra são exatamente os mesmos dos caboclos panteras negras e são Caboclos de Esquerda ou, como são conhecidos, Caboclos Quimbandeiros. São provenientes da linhagem real da República Benin, antigo Reino de Daomé e são decendentes diretos do lendário Agassú. Um espírito natural e encantado de grande poder de realização e extremamente nobre, não sendo em nada com aquele ser animalizado. Ali via-se claramente o desequilíbrio do médium ao rosnar, babar, tentar dar “patadas nas pessoas” e morder as mesmas.

Para piorar, depois de desincorporado, todos foram lá parabenizá-lo pela “excelente” manifestação do temível Exu. Sabe saí decepcionado, pois esperava mais daquele local. Mesmo assim pensei, talvez foi um dia atípico, pois como humanos, podemos não estar bem. Resolvi aceitar o convite e ir outro dia a uma gira de direita, uma gira da linha que mais gosto que é a de Caboclos.

Na gira de caboclos eu fui mais calmo e cheguei com antecedência, sendo recebido muito bem, como da outra vez e sentando na assistência esperando. Mas devido a outra gira (de esquerda) eu estava muito preocupado com o que veria e o meu preconceito já estava às alturas. Vocês devem estranhar eu falar de preconceito abertamente, mas isso é natural do ser humano e é algo que deve ser combatido. Porém para resolver algo primeiro precisamos identificar isto na gente e aceitar que possuímos isto.

Já no começo da gira senti algo diferente, como alguns que acompanham o blog e os grupos de estudo podem saber, uma das faculdades mediúnicas que despertaram em mim foi a da audição, principalmente com os meus guias. Eu senti a presença de duas figuras comigo, tanto do meu querido Caboclo Rompe-Mato, quanto do meu compadre sr. Exu Tiriri. Fiquei mais confortável com isso, pois se eles estavam ali, possivelmente seria um bom dia e eu iria desfazer todos aquelas más-impressões que tive na gira anterior.

Os cânticos de caboclo geralmente me deixam muito feliz, tocam meu coração. Enquanto os cânticos eram entoados podia ver dentre os médiuns aquele que fora cavalo do Exu Pantera-Negra e uma mulher me chamou atenção, também, por estar “muito grávida”. Devia estar entre o oitavo e nono mês de gravidez e estava no ponto mais próximo da assistência.

O dirigente após incorporação dos Orixás das matas, chamou uma das dirigentes da casa (pelo que soube é o dirigente maior e mais duas moças subordinadas a ele), pedindo a ela para incorporar sua orixá, e assim foi feito com Oxum e Iansã. Sabe, geralmente em caboclos eu espero qualquer entidade, menos Oxum, mas continuei observando.

Eu queria superar aquilo da outra gira, queria muito mesmo! Então observando atentamente o dirigente deixou a manifestação do orixá de lado e incorporou o que fiquei sabendo ser um Pajé. Imediatamente pegou o maracá e saiu balançando ele e dançando e pulando por todo o espaço do terreiro, falando “palavras em entonação indígena” em um canto ritmado ao som do Maracá e deu ordem para todos incorporarem. A mãe que estava incorporada de Oxum, passou a incorporar uma Cabocla Jurema, que imediatamente pegou um charuto e pediu seu COCAR de penas.

Eu sou muito avesso aos fetiches, como vestimentas espalhafatosas e adornos. Para piorar a situação ela se comportava de um jeito estranho e no mesmo momento que pensava nisso ouvi o Sr. Tiriri dizendo ao meu ouvido:

– Tu vai passar com ela!

Fiz uma tremenda cara de interrogação, a qual minha esposa percebeu e me perguntou o que estava acontecendo. Comentei com ela e disse o que o Tiriri tinha me falado, ela deu risada e disse que era bem improvável, pois era atendimento por senha. Pois bem, começaram a chamar todos os caboclos para se manifestar em terra e na sequência os filhos para as consultas.

Dentre as manifestações dos caboclos, vi a moça grávida incorporar e, para piorar, pegar um charutão e dar longas tragadas no mesmo. Isso ia contrário a TUDO que aprendi sobre mediunidade e segurança da gestação, pois a fumaça do charuto, cigarro ou qualquer tabaco poderia fazer mal ao feto e inclusive poderia apressar um trabalho de parto. Mas ela com a desculpa de estar incorporada, começou a fumar, um atrás do outro e só perdi a contagem dos charutos pois fui chamado para passar com a Cabocla Jurema, a da mãe da casa. Mais uma vez o Tiriri estava provando seu ponto e eu podia ouvir sua gargalhada de deboche ao fundo.

Mais uma vez foi uma consulta sem pé e nem cabeça, a entidade me falando que eu era ótimo, que tava bem, exatamente igual a tudo que foi me dito na gira de exu. Porém, as coisas na realidade eram bem diferentes e antagônicas. Ainda assim, a gente dá aquele benefício da dúvida, pois a visão da entidade pode ser mais abrangente, mas aí então que ela colocou a mão no peito e disse coisas que engrandeciam ela, de como ela era uma grande cabocla, de como ela curava, de como ela ajudava e aí vemos o EGO! E aí não dá mais para acreditar que é uma entidade se manifestando.

Agradeci a mesma, virei as costas e fui me sentar na assistência, muito triste, pois ao invés de tirar a má impressão, ela só se reforçou. Pousando o olhar nos médiuns, via com muita melancolia aquela médium grávida fumando inveteravelmente, o médium que dera passagem na gira anterior ao Exu Pantera-Negra ali servindo de Cambone e uma outra figura de um senhor, que era um conhecido meu já de um outro terreiro, mas isso conto em outro artigo. Porém, algo me deu uma luz vi um médium incorporado em seu caboclo com um cachimbo de angico riscando um ponto no chão, firmando uma vela e usando seu cachimbo com um fundamento que só quem faz parte dos núcleos de fumaçada ou de magia com o tabaco conhecem, um fundamento da Umbanda Antiga e Tradicional. Olhei aquilo e me enchi de esperanças, pois o médium era meu amigo e percebi que ele estava bem orientado naquele mar de mistificação, pelo menos ele estava agindo com a tradição da Umbanda. O processo que ele fez seria impossível de ser de conhecimento dele, pois isso é algo velado a iniciados e que ele reproduzia com maestria e que poucos caboclos ensinam a seus filhos, só aqueles que possuem algum tipo de ligação com a Jurema Sagrada.

Por fim, o Pajé ainda dançou muito e colocou todas as pessoas da assistência para brincar de roda enquanto entoava mantras indígenas, girando e girando sem parar. Eu pulava e girava, mesmo com a decepção que havia tido, pois no fundo do meu peito residia a esperança, de terem entidades sérias que podiam se manifestar por médiuns sérios. Pois como já dizia o Caboclo Mirim:

“A Umbanda é coisa séria, para gente séria!”

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