Essa linha é um paradoxo! Ao mesmo tempo que é uma das mais tradicionais e cultuadas através da figura de Iemanjá por todo Brasil, nas festas de fevereiro e de dezembro, também é uma das linhas mais esquecidas nas giras das neo-umbandas.

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Dentro da Umbanda que eu cultuo, de caráter tradicional, é a sexta linha das sete linhas principais de Umbanda. Sendo regida pela Orixá da vida, Iemanjá. Nesta linha podemos encontrar figuras incríveis como os sempre positivos marinheiros, trazendo alegria e um jeito bonachão com seu gingado e suas conversas de alto-mar. Também encontramos as enigmáticas sereias e seus cantos belíssimos, que segundo as lendas, podem encantar um homem a ponto do mesmo perder seu raciocínio e ir parar no fundo-do-mar. Ainda encontramos os calungas, exus ancestrais que tem uma ligação tremenda com o povo e a energia marítima.

Iemanjá em seu conceito original era uma Orixá ligada a um rio chamado Ògùn, na cidade de Aioká (Abeokuta). Dentro da mitologia ioruba, Iemanjá é filha de Olokun, o verdadeiro Orixá do Mar. Pierre Verger, dizia: “Iemanjá é o orixá das águas doces e salgadas (…), na cidade próxima ao rio Yemoja. Mas devido as guerras, tiveram que se mudar para o oeste. Com isso transportaram o culto original que era feito no rio Yemoja para o rio Ògùn. Contudo esse rio em nada  é relacionado ao Orixá Ogum.”

As saudações tradicionais a Iemanjá é feita através da frase: “Odociaba” ou “Odoyá”. A etimologia de Odoyá pode ser traduzida como Mãe do Rio. A Orixá da Vida e do Mar, também é conhecida por outros nomes, como: Mãe d’água, Janaína, Yemanjá, La Siren, a Sereia, Mamãe Sereia, etc.

No Brasil, temos duas datas comemorativas para Iemanjá. Na Bahia é comum a comemoração no dia 02 de fevereiro, pelo sincretismo dessa orixá com Nossa Senhora dos Navegantes. Porém em São Paulo é comum comemorar no dia 08 de dezembro, pois é o dia de Nossa Senhora da Conceição  Imaculada. Outra prática muito comum é ir saudar Iemanjá na virada do ano (31 de Dezembro) pulando 7 ondas na beira-mar.

O mar apesar de nos parecer ser algo único, tem suas divisões dentro da Umbanda tradicional, de forma a trabalhos específicos ocorrerem no mar para diversos fins. Na mesma “praia” pode-se fazer trabalhos com diferentes energias e propósitos na Areia, no Beira-Mar, No Alto-Mar e no Abismo (fundo do mar). Claro que de formas simbólicas, inclusive o beira-mar é um limiar entre dois mundos, com o mesmo propósito das encruzilhadas.  Apesar dessa divisão simbólica, todos os espíritos do mar se relacionam, pois consideram o mar e suas imediações um mesmo campo de forças.

Dentro da tradição, as sete falanges são divididas assim:

  1. Falange das Sereias – Regidas por Oxum.
  2. Falange das Ondinas – Regidas por Nanã.
  3. Falange dos Caboclos do Mar – Regidos por Indaiá.
  4. Falange dos Caboclos dos Rios – Regidos por Iara.
  5. Falange dos Marinheiros – Regidos por Tarimã.
  6. Falange da Estrela-Guia – Regidos por Maria Madalena.
  7. Falange dos Calungas – Regidos por Calunga do Mar.

O Mar é o local mais extenso do planeta, ocupando 3/4 de toda a extensão territorial e tão profundo que nem sequer conseguimos mensurar ou conhecer 10% de seus mistérios. Logo os encantados e espíritos afins com a energia marinha também são encontrados aos milhares. Alguns são conhecidos das lendas e mitos, além das culturas e religiões. Outros nem sequer possuem nomes conhecidos, devido a grande quantidade de entidades que podemos encontrar no mar.

Mãe Iemanjá tem múltiplos aspectos, assim como o próprio ambiente regido por ela. No Brasil a Orixá Iemanjá tomou uma conotação bem diferente da africana, como exposto acima. Além das suas atribuições e de seus domínios serem expandidos, também mudou a personificação e sua iconografia. Possui os domínios sobre a vida e o mar, além de ser representada por uma moça morena, saindo das águas. Bem diferente da figura africana de Iemanjá, veja a imagem abaixo:

A Iemanjá Brasileira Original

Além disto, seus muitos nomes também exprimem suas múltiplas facetas e atribuições. No Caribe é conhecida como La Siren, que é a mais próxima da encantada que cultuamos na Umbanda. La Balein, simboliza a origem primitiva da vida, o princípio, e tem sua força máxima expressa no abismo marinho. Com esse arquétipo, traz um aspecto bem mais oculto, mais velado. Lembrado que Olokun também é considerado como o regente do fundo do mar, do abismo.

Os seus encantados também aparecem de formas parecidas com as sereias da mitologia, metade humano e metade peixe. Inclusive há versões masculinas, raramente encontradas na Umbanda, mas bem comum em cultos caribenhos, nas figuras de homens-peixe (tritões), homens-polvo , homens-serpente-marinha, etc… Essa mesma iconografia foi explorada no filme Piratas do Caribe.

A figura dos encantados que jamais tiveram vivência humana são mais abundantes nessa linha, cheia de mistérios. Inclusive, um famoso marinheiro chamado Martim Pescador é um desses seres que jamais passaram pela experiência humana, encarnado.  Outros encantados antiquíssimos e extremamente poderosos são os Calungas ou Exus Marinhos. Podem tanto serem marinheiros ou pessoas que viveram no mar ou próximo a ele, quanto podem ser encantados. Sua vibração é um pouco diferente dos exus regulares, que são ligados ao elemento terra. Da mesma forma, existem Pombagiras marinhas. Esses calungas adicionam o azul às tradicionais cores preto e vermelho. Um Exu dessa linha é o Exu Gererê, que se apresenta na forma de um preto-velho que viveu na beira do mar, misturando as manifestações de exu e também dos marinheiros a já conhecida linha dos pretos-velhos. Não tão bonzinho, como é comum esperar da linha dos pretos-velhos. Tanto que é um exu de díficil trabalho, por pertencer a uma falange extremamente violenta.

Entre as pombagiras, encontramos a famosa Maria Navalha. Mulher da vida que vivia a beira do mar, nos portos do Rio de Janeiro.

Bandeira dos Calungas – Exus Marinhos

É muito comum chamarmos todos os espíritos que se manifestam nos médiuns, que acabam por dar consultas, de marinheiros. Porém, é uma incorreta denominação, pois nem todos foram realmente marinheiros. Dentro desta linha existem os Capitães do Mar, os Marinheiros propriamente ditos, os Marujos, os Pescadores, os Caiçaras, os Piratas e os Mestres.

Na tradição de Umbanda, era muito comum chamar o povo da água no início dos trabalhos, assim como no fim da gira. A intenção era preparar o ambiente tanto na parte material quanto na contraparte astral e espiritual. O povo do mar, tem dentro de seus domínios, o poder de limpar um ambiente impregnado de energias nocivas e viciadas. Essa é uma prática que se perdeu com o tempo nas umbandas mais modernas. Isso é o resultado da memória curtíssima que alguns umbandistas possuem, que não querem estudar a história de sua religião, apenas as suas manifestações mediúnicas e fenomênicas, para se tornarem rapidamente um sacerdote. Quão bom ele poderá ser? Um sacerdote sem saber utilizar das ferramentas e domínios a sua disposição, é apenas uma ferramenta cega, sem corte.

No plano astral/espiritual, os espíritos que estão com o perispírito (corpo astral) em estado de degeneração, são levados ao mar, para que sejam restabelecidos em suas energias. Limpam seus negativismos e começam a ser energizados com a energia do mar, a energia da vida, a energia da nossa mãe Iemanjá.

Por fim, deixo uma mironga, na força do povo do mar. Com um copo de água do mar – ou água com sal grosso – acenda uma vela azul claro ao lado dela. Faça uma prece evocatória nas forças de Iemanjá.

“Com a permissão de Deus Criador, peço a mãe Iemanjá, o concurso de suas forças para que limpe esse ambiente e a todos que aqui estão. Livre-nos de todos os miasmas e das energias negativas. Que o povo da água se cruze e abençõe todo esse ambiente. Assim seja.”

Como a Umbanda é cristã, faça um Pai Nosso e uma Ave Maria para finalizar. Quando terminar de queimar a vela, jogue o restante no lixo e a água salgada na água corrente.

O mar é incrível e misterioso. Dá a vida, o alimento, mas também nos cobra muita coisa. Pense, medite e respeite o mar e todas suas entidades. Odoyá minha mãe Iemanjá!

Iemanjá – Projeto Releitura Indígena.

Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu

Iemanjá – Projeto Releitura Indígena.

Fernando Pessoa, poeta português.

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