Nessa semana o novo viral da Internet é a evocação de um suposto “demônio” chamado Charlie. A tentativa de comunicação ocorre colocando um papel com as opções sim e não e dois lápis em formato de cruz, um deles sem tocar o papel, que se moverá para responder de forma simples as perguntas depois de ser evocado com a expressão: “Charlie, Charlie, Are You Here?” (“Charlie, Charlie, Você está aqui?”).

Isso gerou tamanha confusão que até escolas no estado do Amazonas tiveram que explicar aos pais o ocorrido após algumas crianças (adolescentes) passarem mal. Veja os vídeos aqui e aqui. Nítido caso de histeria coletiva.

A BBC News foi investigar de onde teria surgido o viral e acabou por descobrir se tratar de uma campanha para um filme chamado The Gallows, que conta a história de um jovem que após morrer enforcado acidentalmente, passa a assombrar um teatro. Em outros locais é mostrado como a maioria dos vídeos foram gravados, um truque simples, onde uma pessoa por detrás do foco da câmera sopra sutilmente o lápis e o mesmo se move. Contudo, mesmo que seja apenas isso (e com certeza é em 80% dos casos), precisamos parar para pensar sobre esse ato de evocação de espíritos ou demônios.

Existe vários sistemas mágicos para evocação de demônios, dentro os mais conhecidos está a Goécia, assim como tem para os “Anjos Enochianos”, no sistema do dr. John Dee. Porém a forma mais comum encontrada para evocar os espíritos acontece – ou deveria acontecer – nas sessões mediúnicas do espiritismo e de cultos espiritualistas-mediúnicos.

Antes de algum mal-intencionado colocar tudo no mesmo balaio, deixe-me explicar que cada sistema preza por evocação de uma classificação de entidade. O Espiritismo pode sim evocar espíritos negativos para auxiliá-los nos processos de evolução e desobsessão, porém duvido muito que um demônio “salomoniano” iria responder a um chamado desses. Aliás, até essa categorização e a etimologia da palavra foi totalmente deturpada com o passar dos anos, visto que o nosso Demônio de hoje, deriva de Daemon ou Daimon, tem origem no grego δαίμων e pode ser traduzido como Divindade ou Espírito, possivelmente a palavra seria Gênio, ou seja, uma inteligência extracorpórea. Em momento algum são dados como essencialmente malignos, mas como forças neutras, outros maus e outros bons, assim como nós humanos. Esses Gênios nos influenciariam constantemente, e ainda cada ser humano possuiria um Daemon responsável por ele desde o dia do seu nascimento, e o mesmo era o encarregado de levar o espírito deste seu protegido, após a morte até o seu local de julgamento. Vemos aqui claramente uma relação muito similar a que damos aos Anjos-da-guarda ou Mentores Espirituais. Porém, com a “demonização” de toda a cultura que adivinha do paganismo, acabou-se por se depreciar a figura do Daemon.

Kardec pergunta no Livro dos Espíritos:

459. Influem os Espíritos em nossos pensamentos e em nossos atos?

“Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto, que, de ordinário, são eles que vos dirigem.”

460. De par com os pensamentos que nos são próprios, outros haverá que nos sejam sugeridos?

“Vossa alma é um Espírito que pensa. Não ignorais que, freqüentemente, muitos pensamentos vos acodem a um tempo sobre o mesmo assunto e, não raro, contrários uns aos outros. Pois bem! No conjunto deles, estão sempre de mistura os vossos com os nossos. Daí a incerteza em que vos vedes. É que tendes em vós duas ideias a se combaterem.”

Vemos também a advertência de Moisés em Levíticos 19:31:

“Não vos voltareis para os que consultam os mortos nem para os feiticeiros; não os busqueis para não ficardes contaminados por eles. Eu sou o Senhor vosso Deus.” (Versão Almeida Revisada Versão Bíblica em Português)¹.

Essa advertência era necessária na época pela falta de evolução moral do povo, que estava em formação. Essa prática era comum dos povos que não era hebreus, como os egípcios e os gregos, logo Moisés para criar uma identidade a seu povo e também para retirar dele toda a memória dos cultos dessas outras nações, proibiu a prática da evocação de espíritos. Assim ele evitava claramente o problema de mudanças de fé e também de possíveis obsessões espirituais.

Contudo, isso não é uma proibição para quem sabe o que está fazendo, tanto é que com o advento do Espiritismo tornou-se uma prática até comum na sociedade parisiense – e em outros locais do mundo – a evocação de espíritos nas sessões das mesas girantes. Veja, isso já era feito desde épocas imemoriais, a despeito da proibição de Moisés. O Livro dos Médiuns tem como subtítulo: GUIA DOS MÉDIUNS E DOS EVOCADORES. 

Esse livro é um guia seguro para entender a mediunidade e também explica-se bem como é o processo de evocação de espíritos. Hoje em dia, os centros espíritas, quase não praticam mais essa modalidade de comunicação. Simplesmente se colocam de maneira passiva a espera de qualquer espírito que queira se manifestar. É o adágio: “O Telefone toca de lá para cá.”, totalmente incorreto diante da doutrina Espírita. Podemos sim evocar os Espíritos, inclusive o de pessoas vivas, porém temos que ter todas as precauções e proteções necessárias.

A Evocação não deve nunca ser feita de maneira leviana, procurando satisfazer uma mera curiosidade ou de forma jocosa em uma brincadeira de crianças. Os Espíritos sérios tem trabalho a fazer e não se prestam a dar esse tipo de comunicação, porém os espíritos zombeteiros e mistificadores, estão mais do que dispostos a tomar seus lugares nesse drama e fazerem-se passar por figuras de notoriedade e até mesmo incutir o medo naqueles que lhes evocam. Esse é um passo inicial para a instalação de um processo obsessivo, que pode evoluir para uma fascinação ou subjugação, dando-se por assim, em alguns casos mais graves, a possessão relatada em algumas histórias de “demônios” que possuem pessoas, as quais passam por processos de exorcismo, geralmente desgastantes e muito penosos, com graves consequências para saúde física e mental de todos envolvidos.

Essa brincadeira do Charlie é apenas uma versão da conhecida “brincadeira” do Copo e do Compasso ou a americana Tábua de Ouija. Então, se há “curiosidade” na evocação de espíritos, que ela seja feita de forma correta, dentro de um ambiente preparado para tal, com suporte de médiuns experientes e que irão guiar todo o processo. Não seja prejudicado pela vã curiosidade, pura e simples. Entenda o que ocorre por detrás da cortina, entenda o que está nos bastidores espirituais e acima de tudo siga as regras já propostas por outros com mais experiência.

A Espiritualidade não é brinquedo e deve ser encarada de forma séria, sem o desdém comum encontrado entre os adolescentes. Se você não é capaz de controlar nem seus próprios pensamentos, quem lhe garante que irá ser capaz de controlar uma inteligência exterior,  um gênio ou um demônio? Aprenda a ser humilde.

Para quem quiser saber mais, leia o Livro dos Médiuns, recomendado e fundamental.


¹ Existem várias traduções bíblicas, algumas até citam não procurei os Espíritas. Porém Levíticos foi escrito muito anterior a Cristo – por volta de 1440 e 1400 antes de Cristo – época a qual nem sequer existia o termo Espírita, que veio a ser cunhado por Allan Kardec só no Século XIX, ou seja, mais de 3200 anos depois.

 

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