Estava ele entrando em um ambiente diferente, pela primeira vez.
Chegou um pouco tarde, com medo de ser o primeiro a estar lá, levado por amigos.
Ao deixar o carro, e olhar as escadas já pensou.
“Nossa é aqui que começa o sofrimento?”.
Apesar dos problemas, das dores físicas e morais, da angústia e da tristeza, ele ainda bruto, não queria estar lá, foi pois era sua última alternativa, já que nada mais havia lhe trazido o que ele tanto precisava. Mas e o medo? E como seria tudo aquilo que achava tão estranho? Já no meio da primeira leva de escadas ele ouve lá no fundo um toque de tambor, e cantos ritmados com palmas. 

Um arrepio percorreu sua coluna, ele não sabia dizer o que era aquilo. Será que são os espíritos malignos que dizem que habitam esses locais que causavam esse tremor? Ele passou por uma portinha, simples, um casebrinho, de porta preta e vermelha. Apesar de não saber do que se tratava, ele conjecturou: “Deve ser o registro de luz ou algo do tipo…”, mas ao passar por lá, sem reparar ele sentiu uma leve aliviada no peso que carregava nas costas. Até ver o próximo lance de escadas. “Mais escadas! Isso não acaba?”. O som dos atabaques e as vozes agora eram mais claros, estavam mais alto, e ele pode ver que a porta estava aberta, sem uma pessoa para verificar quem lá estivesse entrando. Subindo as escadas com o ar lhe faltando, ele chega e entra pela porta.

Um quadro de um negro de idade avançada trabalhando lhe sorri, como se estivesse lhe saudando e dizendo, bem-vindo. Ele esboça um leve sorriso, sem perceber. Entra, senta nos bancos de madeira, um homem de roupas brancas lhe entrega um pedaço de papel contendo um número, ele já pensa: “Tomara que eu seja atendido logo! Assim posso ir embora, com a consciência tranqüila de que ao menos tentei.”. As cortinas ainda estão fechadas… Ele só vê uma grande tela de tecido azul-marinho na sua frente, e sabe que o som dos atabaques e as vozes estão do outro lado da cortina.

Uma ansiedade o domina. Ele tem um misto de medo e confusão. Pensa até em levantar-se para ir embora, mas algo sempre desvia esse pensamento dele. Um aroma agradável começa a impregnar o ambiente, aliado com a cantoria: “Corre gira pai Ogum, filhos quer se defumar…”.

“Como assim”, pensa ele. “Além de louvar um tal de Ogum, mandar ele correr e girar, eles ainda não sabem conjugar e concordar os tempos verbais? Não deveria estar aqui!”

Mas o cheiro das ervas queimadas entram em contato com ele, e o leva a experimentar uma agradável sensação de paz e conforto. E ele esquece temporariamente deste pensamento. As cortinas se abrem, ele olha para tudo ali, as imagens, as pessoas de branco, os ataques e seus ogãs, os cordões, guias, velas. Mas algo lhe chama muito a atenção, como se um magnetismo sobrenatural mantivesse seu olhar preso. Ele vê lá no fundo, uma cachoeira de pedras, imagens e plantas, e a água a cair. Uma sensação de choro começa a brotar em seu peito, ele nem consegue pensar em suas dores, ele apenas desabafa. Seus olhos marejam, enchem-se de lágrimas.

Nisto os médiuns começam a manifestarem seus guias espirituais, uma cantoria para as almas dos antepassados toma o ambiente e o enche de vibrações benéficas, e o choro do consulente continua a brotar, as lágrimas agora já lhe correm livres pelos olhos, o soluço começa a tomar forma. Ele agora chora copiosamente.

A entidade espiritual que acaba de chegar, diz algumas palavras para a moça que lhe assiste, e essa vai até a divisa entre a área interna do terreiro e a assistência. Chama um dos trabalhadores da casa de branco e lhe transmite a mensagem, este vai com carinho e fraternidade até o consulente que está chorando, o cumprimenta e diz que é chegada a sua vez.

Este pensa: “Como assim, mas eu tenho o número 40, e nem chamaram o número 1 ainda.”. Ele vai meio achando que erraram a pessoa, mas mesmo assim, com o choro e a emoção tomando conta de seu ser, ele vai até o médium, encurvado, com trejeitos de um ancião, que com seu cigarrinho de palha, sentado em seu banquinho, apenas levanta os olhos para ele e com um sorriso diz: “Sim filho, é sua vez. Pois as lágrimas de Oxum lhe trouxeram aqui. Eu estava te esperando.”

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